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quarta-feira, 21 de abril de 2010

HERÓIS BRASILEIROS: "o TIRADENTES"


JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER
Tiradentes morreu enforcado no dia 21 de abril de 1792, qual seja, há 228 anos porque organizara uma revolta contra o excesso de impostos da Coroa de Portugal em Minas Gerais. O grupo também almejava uma revolução pela independência nacional. Os Inconfidentes Mineiros foram delatados aos portugueses por Joaquim Silvério dos Reis, símbolo de traição nacional, em troca do perdão de suas dívidas com a Real Fazenda. Desde a Proclamação da República no Brasil, em 1889, Tiradentes é considerado herói nacional. O mártir foi criado pelos republicanos com a intenção de ressignificar a identidade brasileira.

Lutador pela independência do Brasil: 1746-1792

QUANDO TUDO ACONTECEU...
1746: Nasce em Pombal, distrito de S. José d’el Rei (hoje Tiradentes), Minas Gerais; os pais são Domingos da Silva Santos, nascido em Portugal, e Maria Antónia da Encarnação Xavier, nascida na Vila de São José d’el Rei (Brasil). - 1755: Morre Maria Antónia; o viúvo e os órfãos mudam-se de vez para a Vila de São José. - 1757: Órfão de pai. - 1780: Arregimenta-se como soldado. - 1781: É promovido a Alferes. - 1786: A mando do governador da capitania de Vila Rica, leva brilhantemente a cabo estudos demográficos, geográficos, geológicos, mineralógicos - quer de aplicação civil, quer militar. - 1788: Envolve-se na Inconfidência contra a Coroa portuguesa - 1789: Como conspirador, é preso no Rio de Janeiro. - 1792: É enforcado em praça pública e depois esquartejado.



À BEIRA DO FIM...


A primeiro de Maio, aparece na cidade o coronel Joaquim Silvério. Logo trata de visitar - e com que frequência – o conde de Resende. No dia 2, grande pressa. Cubículos especiais são mandados construir nalgumas das piores prisões. A sua guarda pessoal passa a ser constituída exclusivamente por portugueses. Dois granadeiros são encarregados de vigilância extraordinária. Informações sobre as origens de todos os seus soldados são solicitadas com urgência – estes são portugueses, aqueles são brasileiros.... 

Os granadeiros vigiam Joaquim José da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes, por causa do ofício que aprendera com o padrinho. Agora é alferes do Regimento pago por Vila Rica, Minas Gerais. Andava a procurar gente que o ajudasse a libertar o Brasil através duma conspiração abominável. Sabedor de tal crime, o governador de Minas havia encarregado o Coronel, amigo do suspeito, de seguir seus movimentos e comunicar seus achados directamente ao Vice-Rei. 

Tiradentes sonha. Ao ajudante de artilharia Nunes Cardoso, proclama: 

- Esta terra há ser um dia maior que a Nova Inglaterra! Mas as suas riquezas só as poderemos alcançar no dia em que nos libertarmos do jugo dos portugueses para sermos os senhores da terra que é nossa. 

Nunes Cardoso empalidece. Roga-lhe que nunca mais se refira a tais assuntos… 

Mas Tiradentes não desiste. Pede a várias pessoas que lhe traduzam livros políticos ingleses, também a Declaração da Independência americana. Alguns dos livros têm até referências elogiosas à República… Em Vila Rica, na casa de João Rodrigues de Macedo, chegara mesmo a exibir a lista, por ele levantada, dos habitantes da capitania e comentara: 

- Têm Vossas Mercês aqui todo este povo açoitado por um só homem, e nós todos a chorarmos como negros – ai, ai... E de três em três anos vem um, e leva um milhão; e os criados levam outro tanto; e como hão-de passar os pobres filhos da América? Se fosse outra nação já se tinha levantado! 

Os amigos pedem-lhe que pare. Além disso, tens estado a ser seguido por dois granadeiros, informam-no. Tiradentes primeiro pensa liquidá-los. Depois opta por regressar mais depressa a Minas, quem sabe se na mira de precipitar o golpe... Pede um bacamarte emprestado e inicia os preparativos para a fuga. Mas, vigiado como anda, logo se apercebe que é impossível fugir. Esconde-se. 

Em anterior viagem, havia curado a chaga cancerosa no pé da filha duma viúva. Pede-lhe ajuda. O decoro manda que não alberguem homem em casa. Tiradentes, por sua recomendação, vai para casa do ourives Domingos Fernandes, guiado pelo Padre Inácio Nogueira, sobrinho da viúva. Aí entra no dia sete de Maio pelas dez da noite. 

O desaparecimento de Tiradentes provoca pânico entre os adversários. Na manhã do dia oito pede ao Padre que visite o coronel Joaquim Silvério, que continua a julgar seu amigo. O delator, que periodicamente envia relatórios escritos ao Vice-Rei sobre as actividades do amigo, finge-se preocupado. Quer saber do paradeiro de Tiradentes para poder ajudá-lo... Mas o Padre é jesuíta, contorna a inquirição, afirma não morar na Corte. Silvério não desarma e, ao encontrar na rua, no dia seguinte, outro clérigo, pergunta pelo Padre Inácio. 

- Tenho bom negócio a propor-lhe. 

O outro cai na esparrela e eis o Padre Inácio arrastado para o palácio do Vice-Rei. Pessoa comum, não resiste às ameaças, inclusivamente de morte. A teia começa a ser tecida.

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INFRA-ESTRUTURA I

Na segunda metade do século XVIII, do Rio de Janeiro para Norte, o processo económico dominante é a monocultura agrária sustentada pela mão-de-obra escrava, uma espécie de feudalismo tardio importado da Europa.

Já no Centro, em Minas Gerais, que tanto aqui nos interessa – mas também em Mato Grosso - a presença de ouro e diamantes, recentemente revelada, produz outro tipo de sistema económico. S. Paulo era a província em que mais tomara forma uma população brasileira autêntica, pronta a tomar posse de tudo a que pudesse lançar mão, mineral, vegetal, mineral ou… humano.

Depressa irrompem por Minas e Mato Grosso e não viram a cara ao confronto com aqueles que se lhes opõem. Assim, em 1708, no Rio das Mortes, chacinam os emboabas. Este é a alcunha tupi que dão aos reinois, pois emboaba quer dizer galinha ou pinto calçudo, evocação sarcástica das botas de cano alto usadas pelos portugueses que vinham da Metrópole para sacar e enviar para Lisboa o ouro do Brasil. A cidade principal da capitania é Vila Rica, vinte mil habitantes, luxo, esbanjamento, aventura, sangue. E a nova situação afecta os mercados do Norte, pois claro, que "isto anda tudo ligado". O preço dos negros sobe em flecha nos mercados de escravos.

Tanto basta para que, no Reino, os poderosos imponham as suas vontades: esse ouro pertence à Metrópole e não à colónia de onde é extraído. Se necessário, não terão pejo em recorrer à força. Porém, o tempo é amigo da distância e esta é irmã do desrespeito. Os escravos são na mesma trocados por ouro, através da Baía. As trocas comerciais estimulam o aparecimento de novas necessidades e consequentemente alarga-se o leque das ofertas. A sociedade prospera. Em Minas, mas também em S. Paulo, há grandes feiras. Rasgam-se caminhos para Sul, sedimenta-se o território. O gado vem do Rio Grande, quer para o abate, quer para a produção leiteira.

A repressão aumenta, ciclo vicioso. Novas leis ditando os direitos da Coroa sobre o ouro. Igualmente visando pôr fim ao contrabando. A revolta cresce e nessa revolta começa a germinar uma ideia: nacionalidade. Como todas as ideias tem uma história. E um precursor. Que tem nome, claro: Filipe dos Santos.

A PRISÃO

Os vultos assomam às janelas. Os mais afoitos saem à rua, timidamente, olham de longe, falam baixinho. Uma centena de soldados comandados pelo Alferes Francisco Pereira Vidigal, impede o trânsito no quarteirão onde fica a casa do ourives Domingos Fernandes, contratador e marcador de prata.

O cerco aperta-se. A casa parece deserta. Um soldado informa que um homem se escondeu no sótão com uma arma na mão. Vidigal, incerto, acaba por mandar forçar a entrada. Irrompe no sótão, rodeado por dezenas de soldados. O homem olha-os de frente mas não reage, não fala. Entrega-se. Veste o dólman. Põe o chapéu.

- Que pretendia fazer com o bacamarte?

- Resistir, mas são tantos…

INFRA-ESTRUTURA II

As contas do Rei são fáceis: seu, é um quinto de todo o ouro brasileiro. Não admira que aumentem as confrontações entre brasileiros e portugueses. Os resultados são variáveis. Se no Rio das Mortes quem leva a melhor são os paulistas, no Caeté vira-se o feitiço.

Braz Baltazar da Silveira, governador desde 1713, passa a cobrar outros impostos além do quinto, as chamadas taxas de entrada. E, porque o Rei supunha ser na mesma enganado, para garantir o quinto, cobram-se dez oitavas de ouro por bâtea.

O governador tenta um acordo que o Rei reprova. Nova tentativa resulta num compromisso. Para além duma redução nos outros impostos e taxas, em vez do quinto passarão as capitanias a arrecadar trinta arrobas de ouro e a enviá-las para o Reino. O governador inclui no acordo uma cláusula que virá a tornar-se importante: autorizações para decretar derramas (para garantir mesmo as trinta arrobas) e para criar novos impostos quando quisesse. E isso acontece mesmo.

Antes do(s) acordo(s), é a revolta do Rio Vermelho. Depois, as de Vila Rica, de Pitangui, do Rio das Velhas. Instabilidade. Entra em cena governador novo em 1717, o conde de Assumar. Agitação. O Conde propõe reduzir a taxa para vinte e cinco arrobas, mas todos os impostos vão para a Coroa por inteiro, nada fica no Brasil. O Rei ainda não está satisfeito e manda construir quatro fundições em Minas, que devem tratar todo o ouro e mandar vinte por cento do total fundido para a Metrópole. O quinto, o famigerado quinto... No século XX, no Brasil, dir-se-á ainda, os quintos do Inferno...

Para piorar as coisas, manda o Governador que não mais se use o ouro em pó, até aí a real, apesar de não ser a Real, moeda. Revolta. A de Vila Rica é a mais importante. O Conde de Assumar assina o acordo. O povo festeja. A mando do Governador, os soldados praticam violências e saques. Prendem também os chefes do movimento, que são enviados para Lisboa, condenados e presos. Filipe Santos é o chefe popular. Sabendo que não pode recuar, incita as massas contra o opressor, libertem os prisioneiros, rompam-se as amarras com a Metrópole!

É preso, julgado e enforcado. O cadáver é preso a um cavalo que lançam a galope. Sangue e morte. E a encenação virá a repetir-se. 


TIRADENTES: OS PRIMEIROS ANOS


Nasce por volta de 1746, em Pombal, distrito de S. José d'el-Rei. Os pais são Domingos da Silva Santos (português) e Maria Antónia da Encarnação Xavier, nascida em São José (Brasil). Aos nove anos fica órfão de mãe e muda-se, com seu pai e irmãos, para a sede da Vila (São José d’el-Rei). Aos doze anos fica órfão de pai, ficando a morar com suas tias na Vila. Um dos seus irmãos chega a capitão. Mas é com outros dois, padres, que Tiradentes se instrui. A letra é desembaraçada, vê-se que escreve, mais ainda por que não o faz com erros. Tudo quer saber e, não tendo uma educação ortodoxa, a verdade é que é dentista, médico e engenheiro de sucesso. Não tem jeito para o comércio, é verdade, nem como vendedor ambulante, nem depois como minerador (apesar dos seus vastos conhecimentos de mineralogia).


Para se aferir do grau de incultura reinante basta dizer que, pretendendo elogiar os seus conhecimentos de mineralogia, o governador Luiz de Menezes afirma que ele tem uma grande inteligência "meneira lógica"). E no entanto, marca passo. No exército, é sistematicamente preterido nas promoções. E os portugueses, mesmo os da pior qualidade, lá vão subindo, paulatinamente. Receios das hierarquias…

INFRA-ESTRUTURA III

Ouro e diamantes. Destes confirma-se que valem uma fortuna pela peritagem holandesa. Logo, o monopólio pela Metrópole. A zona de Rio Frio, conhecida pelo Distrito Diamantino, vive quase em estado de guerra tal é a repressão, o rigor no controlo. Nada escapa à voracidade da Metrópole. Consequência directa: o aumento do contrabando.

E é no contrabando que vai ganhando forma a ideia nacional, pois não é ele, por excelência, o meio de luta contra a Coroa? Tanto quanto as armas vale a criação duma verdadeira economia regional. Para mais, este fenómeno do contrabando não é tipicamente brasileiro, nem sequer latino-americano, nem apenas exclusivo da época…

ILUMINISMOS E ILUMINAÇÃO

"Está mais ou menos generalizada no Brasil a ideia de que a Inconfidência foi só um movimento de protesto contra a derrama que o governo português mandou fazer em 1789, a fim de recolher na capitania, dum modo violento, as quinhentas e vinte e oito arrobas de ouro de que se julgava credor. Isso não é verdade. A notícia de que a derrama se aproximava contribuiu, é claro, para agravar a situação e apressar o trabalho dos conspiradores, mas a ideia da conspiração - ou da revolução, pode-se mesmo dizer - vinha de mais longe e tinha razões mais complexas.

"A Inconfidência não pretendia apenas libertar Minas e o Brasil do jugo da Metrópole. Queria - e isto é o que precisa ficar bem claro - formar aqui uma grande nação republicana, com suas indústrias e possuindo um corpo de leis moderníssimas, de acordo com os postulados revolucionários que agitavam a França e por influência inglesa e francesa tinham já sido vitoriosos nos Estados Unidos."

(Brasil Gerson, in "História Popular de Tiradentes")

A riqueza de Vila Rica permite a formação duma elite intelectual, homens de letras, homens de leis. Uma certa juventude desafogada estuda em França, onde bebe o fermento revolucionário.

E nesse mundo os revolucionários dão-se as mãos. Kosciuzko, o libertador da Polónia, bem como Lafayette, Bouilé e Rochanbeau, heróis franceses, tornam-se heróis ianques e lutam ao lado dos fouding fathers Benjamin Franklin, George Wahington e Thomas Jefferson. Miranda, o aventureiro venezuelano, torna-se general do exército francês em luta contra ingleses, austríacos e prussianos. Abreu e Lima, brasileiro e filho de padre é, nos Andes, general de Bolívar.

José Joaquim da Maia, filho de pedreiro, estuda em França a expensas do pai. Pede audiência reservada a Jefferson, então embaixador em França. Apenas tem entusiasmo para oferecer. Trocam correspondência. Apesar de tudo o amigo americano afirma que reconhecerá a independência do Brasil tão logo ela aconteça. E trocas comerciais. E ajuda no estabelecimento de industrias. Vandek (tal é o nom de guerre de José Joaquim), aproveita a troca de cartas para cimentar ideias. É o início ainda tímido do pan-americanismo. Morre sem sequer ver a Inconfidência, doente - por ironia em Portugal. Influência em Tiradentes, será muito mais directa a de José Álvares Maciel, que andava por Inglaterra enquanto José Joaquim estava em França.

INFRA-ESTRUTURA IV

Os governadores sucedem-se. A turbulência social não diminui. A sangria do ouro, face às novas leis, é ainda maior. Um dos governador decreta uma dotação extraordinária de cento e vinte e cinco arrobas. Os impostos não param de aumentar, não apenas sobre a mineração. Todas as actividades económicas são sujeitas ao mesmo tratamento. Apesar de tudo, única maneira de acalmar os ânimos, chegam ao fim as casas de fundição.

Curvello tenta a Revolução. Quinze conspiradores são exilados para não mais voltarem. E a partir de 1755, deixa de poder haver indústria. Os teares apenas podem fabricar tecidos para uso dos escravos. E o fisco persegue a mineração como nunca. O caos alarga. O descontentamento rebenta aqui e ali. Em 1780, Rodrigo José de Menezes é Governador que tenta rumar contra a maré. Propõe uma série de reformas que considera essenciais. O Rei propõe-se apenas contemplar a implantação do serviço postal.

TIRADENTES: MORTE MATADA

No dia 21 de Abril de 1792 Tiradentes é enforcado no Largo do Lampadário, no Rio de Janeiro. Dos Inconfidentes, é o único executado, serve de exemplo. O seu corpo é esquartejado. Pedaços dele são espalhados pela estrada que vai para Vila Rica. Uma gaiola com a sua cabeça é alçada a um poste cravado no centro de Vila Rica.

De morte assim matada, Tiradentes morre solteiro. Deixa porém dois filhos menores, Joaquina e João.

Apesar da terem declarado infame o nome do pai e o da família, João é adoptado por um comerciante. Seguirá a carreira militar.

Joaquina vive com a mãe até à maioridade. Portanto pobre, afastada do mundo e de todos, privada de auxílio pelo clima de terror.

Eugénia Maria de Jesus, a companheira de Tiradentes, dizem que é bonita, despretensiosa, clara, de olhos azuis. Mas a pobreza tudo mata.

Tiradentes será herói e lenda, elas de nada sabem.

INFRA-ESTRUTURA V ou Cherchez la femme

Em 1783, o imposto relativo ao sal correspondia aproximadamente a noventa e oito por cento do seu valor de importação… Com valores destes, começa a ser pertinente investigarmos as causas desta sangria.


Na origem está o célebre Tratado de Methuen, que estudamos na escola como um dos grandes feitos do Marquês de Pombal. Celebrado em 1703 entre Portugal e a Inglaterra, acordava no seguinte: em troca dum abatimento de trinta e três e um terço por cento nas taxas aduaneiras, Portugal comprometia-se a dar à Velha Albion completa preferência às suas manufacturas, tanto na Metrópole como nas colónias.

Isto, que aparece inócuo e recíproco, começa a revelar a sua verdadeira face quando nos apercebemos que o consumo de vinhos portugueses pela Inglaterra não chegava à terça parte dos produtos manufacturados importados por Portugal. Consequência: saldo descaradamente positivo para os ingleses, dívida galopante dos portugueses. Remédio: a sangria do ouro brasileiro em direcção às terras para além do Canal da Mancha.

Eis a razão porque a Coroa recusa as reformas progressistas de Menezes. Portugal está absolutamente dependente da sua mais velha aliada, não pode permitir que a sua colónia lhe faça concorrência. Por outro lado, um Brasil desenvolvido criava o receio da autonomia. E sem colónias, que é Portugal?

Manietado pelo Tratado, o país afunda-se, também ele impedido de produzir e portanto de manter relações de comércio normais. A Corte esbanja o ouro no fausto e na luxúria e na devoção religiosa. Mafra e o convento de Odivelas, onde a Madre Paula recebe D. João V num palácio de conto de fadas. O mesmo D. João V que manda cunhar moedas especiais unicamente destinadas a pagar às suas mulheres… O Vaticano absorve grandes doações. Tudo isto alimenta a revolta dos colonos. E, quanto ao Império Britânico, acaba por acontecer o inevitável. A colónia portuguesa passa a ser bem mais interessante que a metrópole.

CONSPIRAÇÕES

Tiradentes e José Álvares Maciel conhecem-se desde a infância. Quando este volta ao Brasil, logo se encontram no Rio de Janeiro e esboçam um plano de acção. Depois, José torna-se advogado de Tiradentes, que não consegue receber o soldo. Isso permite-lhes atrair o tenente-coronel Francisco de Paula. O número aumenta, mais oficiais, padres, o coronel Inácio de Alvarenga, que deixara de ser magistrado por não querer servir um governo injusto e opressor e se dedica à mineração e ao gado.

Os encontros sucedem-se. Afinam-se pormenores. Tiradentes leva a sua avante: a revolução começará em Minas, pelo povo em marcha, logo seguido pela tropa. Alvarenga é a favor. Põem-se de acordo sobre "não haver levante sem degola". Quem será o escolhido? Tiradentes sugere que seja o ajudante do governador, figura sem escrúpulos e odiada por todos.

INFRA-ESTRUTURA VI

Os brasileiros são já milhões de consumidores e potenciais consumidores de produtos ingleses. Um mercado a não desperdiçar. Mas para o consolidar, é preciso que se desenvolva o território e tal não acontece. O empecilho chama-se Portugal. E a Inglaterra apressa-se a, mais uma vez virar as coisas a seu favor. Napoleão invade o país, eis a oportunidade dourada.

Temeroso de Napoleão, D. João V prepara a frota. Não lhe traça rumo embora se apreste a arribar à Madeira, para aí fixar provisoriamente a sede do governo. Ó doce ilusão!... Beresford, general e embaixador inglês, transmite-lhe ordens taxativas. Sem pestanejar, o rei obedece e parte no dia seguinte. Eis como vem para ao Brasil a toque de caixa, em 1808, a Corte portuguesa, incumbida de desenvolver a colónia e prepará-la para cair no colo dos ingleses. Os brasileiros olham atónitos para gente estranha, de roupas estranhas e costumes exóticos.

"Mas antes da abertura dos portos não era também da Inglaterra que o Brasil importava? (…) A importação se fazia, no entanto, através de Portugal, que tinha o monopólio do comércio com as suas colónias. E é natural que um país colonizador, mas sem indústria, perca por completo suas colónias no dia em que os navios de outros países, mais ricos que ele, conseguirem frequentá-las livremente, e ainda com certas regalias aduaneiras, porque até isso os ingleses obtiveram de D. João VI, em favor da Inglaterra, contra Portugal…"

(Brasil Gerson, ibid)

INCONFIDÊNCIA

Uns Inconfidentes resistem ao interrogatório, outros não. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

Je suis brézilien et vous savez que ma malheureuse patrie gemit dans un affreux esclavage, que devient chaque jour insupportable…

(carta de José Joaquim da Maia a Thomas Jefferson, embaixador dos Estados Unidos em Paris, cerca 1786)

A insurreição está marcada para quando começar a derrama. É até desenhada uma bandeira, um triângulo e os dizeres em latim LIBERTAS QUAE SERA TAMEM (Liberdade ainda que tardia). Mas os Inconfidentes começam a ficar inquietos. O Governador parece mandar indirectas a Alvarenga. O Padre Carlos de Toledo apercebe-se que se alguma coisa correu mal só pode ser por denúncia.

- Mas de quem, homem de Deus?

- Só pode ter sido Joaquim Silvério, por alguma razão lhe chamam Joaquim Sallieri... (evocação do Sallieri que traíra Mozart).

E de facto, o Coronel Joaquim Silvério, crivado de dívidas perante a Coroa, trai os seus companheiros na Inconfidência e tudo vai delatar às autoridades portuguesas.

Para suprimir o sinal para a revolta, o Governador não executa a derrama. Um vulto vestido de mulher, cabeça coberta por grande chapéu vai de casa em casa. Todos os conspiradores são avisados que Tiradentes foi preso no Rio.

Um a um, são todos presos e enviados para o Rio, maltratados. Ficam por três anos presos, incomunicáveis. O desembargador e poeta Tomás António Gonzaga acabará desterrado em Moçambique. Em versos à sua musa Marília escrevera, premonições: "...mil inocentes / Nas cruzes pendentes, / Por falsos delitos, / Que os homens lhes dão."

O advogado e poeta Cláudio Manuel da Costa, sessenta anos, espera menos tempo. Aparece misteriosamente morto no cubículo infecto onde o encerraram e aviltantemente interrogaram. Suicídio, dizem...

Presos, uns resistem e outros não. Os três anos de sofrimento e a perspectiva da morte revelam personalidades inesperadas entre os Inconfidentes.

Maciel, o teórico do movimento, depõe várias vezes e em todas elas tenta passar por inocente e atribuir todas as culpas aos outros conjurados. Que o instigador de tudo fora Tiradentes...

O mesmo afirma em carta ao Governador o Tenente-Coronel Francisco de Paula. Comandante da tropa mais importante em terra brasileira, sua pena será decerto das mais severas.

Alvarenga, esse, inventa. Afirma que Tiradentes é estúpido, que as reuniões dos Inconfidentes eram cenas depravadas. Em latim, lança elogios ao Governador.

Como podem fazer parte da mesma história que Tiradentes?
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Apêndice:

Declaração da Independência dos Estados Unidos da América

"Quando no curso dos acontecimentos humanos necessita um povo desatar os laços políticos que o uniram a outro, e tomar entre as nações da terra lugar aparte e igual ao que lhe dão direito as leis naturais e as do Deus da natureza, o respeito à opinião da humanidade o obriga a declarar as causas que o decidem à separação. Julgamos evidentes por si mesmas estas verdades: todos os homens nasceram iguais; estão dotados pelo criador de certos direitos inalienáveis; entre esses direitos contam-se o direito à vida, à liberdade e o da procura da felicidade. Estabeleceram-se governos entre os homens para garantir seus direitos, e o poder do governo emana do consentimento dos governados. Sempre que uma forma de governo chega a ser a negação desse fim, o povo tem o direito de mudá-la ou de aboli-la e de estabelecer um novo governo, baseando-o nos princípios e organizando-o na forma que ache mais adequada para dar-lhe segurança e bem estar. A prudência ensina, na verdade, que não convém mudar por causa pequenas e passageira os governos estabelecidos de longa data, e a experiência de todos os tempos mostra, com efeito, que os homens mostram-se mais dispostos a tolerar os males suportáveis do que fazer justiça a si mesmos, abolindo as formas a que estão acostumados. Mas quando uma larga série de abusos e usurpações, que tendem invariavelmente ao mesmo fim, marca o propósito de submetê-los ao despotismo absoluto, têm o direito de rechaçar esse governo e de prover, com novas salvaguardas, sua segurança futura. Tal tem sido a paciência destas colónias e tal é hoje a necessidade que as força a mudar seus antigos sistemas de governo. A história do rei actual da Grã-Bretanha é a história duma série de injustiças e usurpações repetidas que têm por fim directo o estabelecimento duma tirania absoluta nestes Estados. Para prová-lo, submetemos os factos ao mundo imparcial.

"(...) Devemos portanto ceder à necessidade que impõe nossa separação e olhá-los, com o resto da humanidade, como inimigos na guerra e amigos na paz. Em consequência, nós outros, os representantes dos Estados Unidos da América, reunidos em Congresso geral, tomando por testemunha da rectidão das nossas intenções o Juiz Supremo do Universo, publicamos e declaramos solenemente, em nome e pela autoridade do bom Povo destas Colónias, que as Colónias unidas são e têm o direito de ser estados livres e independentes; que estão desligados de toda a obediência à Coroa da Grã-Bretanha; que todo o laço político entre eles e o Estado da Grã-Bretanha está, e deve ser, completamente quebrado; que, como Estados livres e independentes, têm plena autoridade para fazer a guerra, concluir a paz, contrair alianças, regulamentar o comércio e realizar todos os demais actos ou cousas que os Estados independentes têm direito a executar; e possuídos de firme confiança na protecção da Divina Providência, comprometemos mutuamente na execução desta declaração nossas vidas, nossas fortunas e o nosso bem mais sagrado: a honra".


Fonte:
http://www.vidaslusofonas.pt/

Texto biográfico organizado por João Sodré

domingo, 18 de abril de 2010

APONTAMENTOS DE FILOSOFIA por Lucio Lopes. Da palavra Filosofia e outras questões


O que significa a palavra filosofia? 

FILOSOFIA → do GREGO → FILO (PHILIA) = Amizade, Amor Fraterno / SOFIA (SOPHIA) = Sabedoria'. Philia (em grego: φιλíα; transl.: philia, filia) retirado do tratado de Ética a Nicômaco de Aristóteles, o termo é traduzido geralmente como "amizade", e às vezes também como "amor". Sophia: Significa “sabedoria” e 'sabedoria divina'. Sophia tem origem no grego sophia, que quer dizer literalmente “sabedoria” 

Podemos criativamente compreender FILOSOFIA como amor e/ou amizade pela sabedoria/conhecimento. Donde, FILÓSOFO é aquele que tem amor e/ou amizade pela sabedoria/conhecimento. Aquele que busca a sabedoria/conhecimento. Ainda que sabedoria e conhecimento sejam coisas distintas, o filósofo deve ter como objetivo a conquista de ambas pois o conhecimento é que permitirá a sabedoria.

Entre os antigos, a filosofia é uma ciência, a do conhecimento racional, tornou-se entre os modernos sinônimo de questionamento sobre a natureza do homem e seu significado.

Definições de filosofia segundo os  Antigos: 
- Aristóteles: "A filosofia é justamente chamada de ciência da verdade" (Metafísica).
- Epicuro: “A filosofia não é uma ciência pura e teórica, é uma regra prática de ação; muito mais é em si uma ação, uma energia que traz vida abençoada através de discursos e raciocínios ”(Maximes).
- Marco Aurélio: “A filosofia é manter seus demônios internos a salvo da indignação, inocentes, superiores ao prazer e à dor, sem deixar nada ao acaso e, especialmente, esperando uma morte propícia ao pensamento” (Pensamentos por mim próprio - Baixe aqui o livro Meditações de M.A.).

Definições de filosofia segundo os Modernos:
- Pascal: "Tirar sarro da filosofia é realmente filosofar" (Pensamentos).
- Descartes: “Essa palavra de filosofia significa o estudo da sabedoria e, por sabedoria, entendemos um conhecimento perfeito de todas as coisas que o homem pode saber, tanto pela conduta de sua vida quanto pela preservação de sua saúde e bem-estar. a invenção de todas as artes” (Discurso sobre o Método). 
- Descartes: “Toda filosofia é como uma árvore, cujas raízes são metafísicas, o tronco é a física e os ramos que dela saem são todas as outras ciências, medicina, mecânica e moral” (Discurso sobre método).
- Kant: “A filosofia é um sistema de conhecimento racional baseado em conceitos” (Metafísica das maneiras). 
- Hegel: "A filosofia é o fundamento do racional, é a inteligência do presente e do real, e não a construção de um além do qual seria Deus sabe onde" (Princípios da filosofia do Direito)
- Schopenhauer: “A filosofia nasce do nosso espanto em relação ao mundo e à nossa existência” (O mundo como vontade e como representação).

Definições de filosofia segundo os contemporâneos 
- Husserl: “Quem quiser se tornar um filósofo terá que se entregar uma vez na vida” (Meditações Cartesianas).
- Wittgenstein: "A filosofia não é uma das ciências naturais".



ATITUDE FILOSÓFICA

Quero lembrar que o filósofo Immanuel Kant  (1724–1804) - que foi um filósofo alemão representante do  Iluminismo no final do século XVIII, sendo que seu trabalho mais conhecido é a Crítica da razão pura - nos alertava que  "não se aprende filosofia,  aprendemos a filosofar". A filosofia não poderia, portanto, ser aprendida, ao contrário de outras disciplinas. Transpostos ao ensino, geralmente entendemos que isso significa que a filosofia é uma prática, não um conhecimento teórico, e que, ao ensinar e aprender filosofia, não ensinamos nem aprendemos filosofia, mas como filosofar. E filosofar é um exercício que apenas o sujeito pode acionar. Filosofar é em primeiro lugar um exercício solitário que obviamente pode e deve ser posto nas relações intersubjetivas no sentido de colocar os pensamentos gerados no crivo da criticidade para explorar a real consistência dos mesmos.

Para estudar Filosofia e/ou filosofar,  temos que que ser capazes de interrogar a vida cotidiana em sua totalidade - isto  é, a nossa vida e a vida toda que nos cerca no sentido de uma cosmovisão totalizante; interrogar a si, desejando conhecer por que cremos, no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos. 

Estar abertos à abandonar o VELHO e assumir o NOVO. Saber lidar com a crise existencial, sabedores de que da CRISE nascerão coisas novas e melhores. Estar dispostos a perseguir as verdades em todos os âmbitos da vida: Mundo, Sociedade e de si mesmo. Pensar por si mesmo, ser dono de seus próprios pensamentos, porém, sem arrogância, sempre abertos a revê-los, confrontá-los, e quando necessário modificá-los. 

Diante de todas as verdades apresentadas como absolutas, colocar a DÚVIDA. Decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido. 

Dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às ideias da experiência cotidiana, ao que “todo mundo diz”, ao estabelecido. Interrogar sobre o que são as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. Questionar sobre o porquê disso tudo  e sobre como tudo isso é assim e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais da atitude filosófica.

ATIVIDADE FILOSÓFICA

Na simplicidade e humildade Socrática: SÓCRATES (470-399), SÉCULO III, “SÓ SEI QUE NADA SEI”. Ainda que um único homem pudesse ler todos os livros que estão em todas as bibliotecas do mundo, ainda assim este homem continuaria sendo ignorante diante do conhecimento a ser conquistado... Portanto, o estudante de Filosofia / que deve ser Filósofo ao mesmo tempo, tem que ser capaz de exercer a ATIVIDADE FILOSÓFICA EM TODOS OS MOMENTOS DE SUA VIDA, NÃO PARA SER MELHOR QUE OS OUTROS, MAS PARA SER MAIS HUMANIZADO E AJUDAR NA HUMANIZAÇÃO DOS HOMENS EM GERAL: • REFLEXÃO CRÍTICA • RACIONAL• RADICAL• PROFUNDA • SISTEMÁTICA.

Importante aqui lembrar Tales de Mileto, que segundo Aristóteles e uma tradição grega antiga, fora o primeiro filósofo, reconhecido também como cientista e matemático. Ele também é visto como político, se levarmos em conta sua participação no grupo dos "Sete Reis Magos".

GRÉCIA – VII ou VI a.C. → Primeiro filósofo a desenvolver um problema filosófico TALES de MILETO.

A referência a TALES é importante para compreendermos o que é filosofar, pois enquanto identificado como o primeiro filósofo é de uma valor simbólico muito importante para a Filosofia. O fato não se deve às respostas dadas por ele em relação aos problemas filosóficos dos quais tratou como pré-socrático em sua busca pelo "princípio" (arché) da origem e composição do Universo, recorrendo para isso à natureza (physis), mas sim à forma substancial do método que utilizou para buscar essas respostas, ou seja, inaugurou a atividade filosófica.

Em suma, o contexto de Tales era este: O que marca o surgimento da Filosofia é seu caráter racional. Os filósofos passam de uma explicação mitológica do mundo para uma explicação racional. Ao perceberem as contradições e limitações dos mitos, eles reformulam e racionalizam as narrativas míticas, transformando-as em uma explicação inteiramente nova e diferente. A Filosofia – Cosmologia / PROBLEMAS que os primeiros filósofos trataram. Conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza. O mito falava em deuses, como Zeus, Perséfone e Gaia. Narrava a origem dos seres celestes e terrestres como derivados das relações com os deuses - O sobrenatural-sagrado misturava-se ao natural-profano, praticamente sendo a mesma coisa. Todos os fenômenos da natureza, no mito, encontram uma explicação a partir das forças sobrenaturais/divinas.

A Filosofia por sua vez, fala em céu, mar e terra também. Mas ela explica o surgimento desses seres por composição, combinação e separação dos quatro elementos – úmido, seco, quente e frio, ou água, terra, fogo e ar. 

O mito narrava a origem através de genealogias derivadas de forças divinas sobrenaturais e personalizadas. 

A Filosofia, ao contrário, explica a produção natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais. 

O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e fabuloso, voltando-se para o que era antes que tudo existisse tal como existe no presente. 

A Filosofia, ao contrário, se preocupa em explicar como e por que, no passado, no presente e no futuro (isto é, na totalidade do tempo), as coisas são como são; O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível, não só porque esses eram traços próprios da narrativa mítica, como também porque a confiança e a crença no mito vinham da autoridade religiosa do narrador e a autoridade residia nos DEUSES. 

A Filosofia, ao contrário, não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional; Além disso, a autoridade da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da RAZÃO, que é a mesma em todos os seres humanos.


Filósofo é o amigo da sabedoria, do conhecimento. Aquele que ama, busca e respeita o saber, o conhecimento.

A Filosofia é uma ATIVIDADE REFLEXIVA RACIONAL SISTEMATIZADA. Em suas origens a Filosofia era exercida pelos cidadãos, ou seja, homens livres da Grécia. 

Na Grécia Antiga só os gregos nascidos em território grego eram cidadãos. Escravos, mulheres, crianças e estrangeiros não eram contados como cidadãos e nem possuíam esse título. 

A Democracia vivenciada por cidades como ATENAS possibilitava a participação dos cidadãos nas discussões políticas em praça pública, sobre os problemas e destinos da cidade, exigindo opiniões fundamentadas em argumentos válidos e que deviam ser colocados à prova filosófica no embate com as opiniões alheias. Essas opiniões deviam ser demonstradas de forma clara, objetiva, lógica. O recurso demonstrativo era a RETÓRICA, a arte de Falar Bem em Público.

Pitágoras = filósofo grego (séc.V a.C.) responsável pela invenção da palavra “Filosofia”. Sabedoria plena e completa pertence aos deuses. Homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.


A IMAGEM QUE SE TINHA DO FILÓSOFO 
NEGATIVA

Não é movido por interesses comerciais ou financeiros;

Não coloca o saber como propriedade sua;

Não é movido pelo desejo de competir;

Não faz das idéias e dos conhecimentos uma habilidade para vencer competidores;

POSITIVA

É movido pelo desejo de observar, contemplar, julgar e avaliar a vida;

É movido pelo desejo de saber.
  
No geral, a Filosofia tem aversão às verdades caracterizadas e fundamentadas em dogmas (verdades absolutas que não possibilitam a contestação). A Filosofia existe pela DÚVIDA. A Dúvida é a alma da Filosofia. É a Dúvida o elemento mais essencial da Filosofia; é o elemento deflagrador da atividade filosófica e esse elemento brota da capacidade de espantar-se, de admirar-se diante do desconhecido. 

A Filosofia não pode em hipótese alguma ser identifica com crença religiosa. A Filosofia não tem respostas prontas, é um exercício racional sistematizado infindável na busca pela VERDADE. Ela se faz pela DÚVIDA que leva à → PROBLEMAS → que por sua vez, levam à respostas → que caem em novos problemas deflagrados pela DÚVIDA suscitando um movimento sempre latente e cíclico. A Filosofia é um bem da humanidade e deve ser colocado à serviço da VIDA e da LIBERDADE, sempre.

A VERDADE desde a concepção da Filosofia Antiga:

Não pertence a ninguém;

Não é um prêmio conquistado por competição;

Está diante de todos nós;

É algo a ser procurado;

É encontrada por todos aqueles que a desejarem, que tiverem olhos para vê-la e coragem para buscá-la.


Para chegar à verdade o HOMEM precisa abandonar preconceitos, crenças, fechadas em si mesmas, abrir-se ao diálogo com o diferente, visitar a história humana em todas as suas etapas, conhecer as bases das diversas formas, e/ou, conjuntos, e/ou, modalidades de saberes, e/ou, conhecimentos, a saber: ARTÍSTICO, RELIGIOSO, MITO, SENSO COMUM E CIÊNCIA. O Homem que não aprendeu a dialogar com os conteúdos destas modalidades em uma saudável interação, terá maiores dificuldade de aproximar-se da verdade plena.

Nenhuma modalidade de conhecimento é superior às outras, são apenas formas, e/ou, possibilidades de conhecimentos construídas pelo Homem desde o início de seu processo evolutivo. Até mesmo o Senso Comum, o conhecimento atual e básico que todos nós recebemos espontaneamente desde nosso nascimento, é de extrema importância. O FEIO é ficar sequestrado dentro dos limites de suas fronteiras quando podemos decidir ultrapassá-las, como dizia IMMANUEL KANT, o Filósofo da Filosofia Crítica Moderna, é necessário rompermos essas fronteiras do Senso Comum e nos aventurarmos no mundo do Saber até conquistarmos a Consciência Crítica, a MAIORIDADE DA RAZÃO (No texto 'O que é Esclarecimento', Kant nos explica que Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado se podendo não desejar abandoná-la. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo).


O DESPERTAR FILOSÓFICO GREGO ANTIGO
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA

► Gregos

Começaram a fazer perguntas e buscar respostas para a realidade;


As questões existenciais, ou seja, OS PROBLEMAS do cotidiano grego, para os primeiros filósofos, já não podiam mais ser respondidos apenas pelo MITO, pelo RELIGIOSO e pelo ARTÍSTICO. 

A sociedades grega já possuía uma organização mais complexa e exigia respostas diferentes a estes problemas, diferentes daquelas possíveis pelas modalidades de conhecimentos utilizadas naquele momento histórico. Estes problemas brotavam de três dimensões da vida humana: MUNDO (COSMO, NATUREZA, UNIVERSO); SOCIEDADE (POLÍTICA); SER HUMANO (ANTROPOLOGIA): os filósofos defendiam que estes problemas podiam ser conhecidos pela razão humana.
  
PARA OS FILÓSOFOS:

Pensadores gregos:

Verdade do mundo e dos humanos não era algo secreto e misterioso;

Verdade podia ser conhecida por todos por meio das operações mentais de raciocínio;

Linguagem respeita as exigências do pensamento;

Conhecimentos verdadeiros podem ser transmitidos e ensinados a todos.

ATIVIDADE FILOSÓFICA, por eles proposta, tinha estas características gerais: 

Tendência à racionalidade

Recusa de explicações preestabelecidas

Tendência à argumentação

Capacidade de generalização

Capacidade de diferenciação = análise
  
RESULTADO QUE FOI LEGADO (HERANÇA), DEIXADO PARA TODOS NÓS:

Conhecimento = leis e princípios universais

Verdade = provas ou argumentos racionais

Conhecimento não se impõe aos outros

Conhecimento deve ser compreendido por todos

Capacidade de pensar e conhecer é a mesma em todos os seres humanos

Conhecimento só é verdadeiro quando explica racionalmente seus objetos

Natureza segue uma ordem necessária

Opera obedecendo a leis e princípios necessários e universais;

Essas leis podem ser plenamente conhecidas pelo nosso pensamento: Surgimento da cosmologia / Surgimento da física.

A razão (ou o nosso pensamento) também opera obedecendo a princípios, leis, regras e normas universais e necessários.

Podemos distinguir o que é verdadeiro do falso;

Razão obedece à lei da identidade, da diferença, da contradição e da alternativa.

O agir humano exprime a conduta de um ser racional dotado de vontade e de liberdade

As práticas humanas não se realizam por imposições misteriosas e incompreensíveis (forças secretas, invisíveis, divinas e impossíveis de serem conhecidas)

Seres humanos naturalmente aspiram:

Ao conhecimento verdadeiro (pois são seres racionais)

À justiça (pois são seres dotados de vontade livre)

À felicidade (pois são seres dotados de emoções e desejos)

Os seres humanos instituem valores pelos quais dão sentido às suas vidas e às suas ações.


ANTES DE TERMINAR, aquela pergunta que fazem os atuais 'prisioneiros da caverna platônica': AFINAL DE CONTAS PARA QUE SERVE A FILOSOFIA???


A filósofa Marilena CHAUI, responde, na introdução de sua obra “Convite à Filosofia”:

[1] Se abandonarmos a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil;

[2] Se não nos deixarmos guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; 

[3] Se buscarmos compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil;

[4] Se conhecermos o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências, na ética e na política for útil;

[5] Se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil;
  
Então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes. 

Fontes consultadas:

ARANHA Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. 2.ed. São Paulo: Moderna, s.d.
CARDOSO, Osvaldo e outros. Filosofia: Ensino Médio (Livro Didático da S.E.ED./PR). 2 ed. Curitiba: SEED, 2006.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 6.ed. São Paulo, Ática,1997.
CHAUI, Marilena, OLIVEIRA, Pérsio S. Filosofia e Sociologia. São Paulo: Ática, 2007.
DELEUZE, Gille, GUATARI, Felix. O que é a Filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
DURANT, Will. A história da Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
REZENDE, Antonio e outros. Curso de Filosofia. 13. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

filoparanavaí 

Por que a Folha mente (mente, mente, mente, desesperadamente), por Emir Sader:





As elites de um país, por definição, consideram que representam os interesses gerais do mesmo. A imprensa, com muito mais razão, porque está selecionando o que considera essencial para fazer passar aos leitores, porque opina diariamente em editoriais – e em matérias editorializadas, que não separam informação de opinião, cada vez mais constantes – sobre temas do país e do mundo.

A FSP, como exemplo típico da elite paulistana, é um jornal que passou a MENTIR abertamente, em particular desde o começo do governo Lula. Tendo se casado com o governo FHC – expressão mais acabada da elite paulistana -, a empresa viveu mal o seu fracasso e a vitória de Lula. Jogou-se inteiramente na operação “mensalão”, desatada por uma entrevista de uma jornalista tucana do jornal, que eles consideravam a causa mortis do governo Lula, da mesma forma que Carlos Lacerda,na Tribuna da Imprensa, se considerava o responsável pela queda do Getúlio.

Só que a história se repetiria como farsa. Conta-se que, numa reunião do comitê de redação da empresa, Otavio Frias Filho – herdeiro da empresa dirigida pelo pai -, assim que Lula ganhou de novo em 2006, dava voltas, histérico, em torno da mesa, gritando “Onde é que nós erramos, onde é que nós erramos”, quando o candidato apoiado pela empresa, Alckmin, foi derrotado.

O jornal entrou, ao longo da década atual, numa profunda crise de identidade, forjada na década anterior, quando FHC apareceu como o representante mor da direita brasileira, foi se isolando e terminou penosamente como o político mais rejeitado do país, substituído pelo sucesso de Lula. Um presidente nordestino, proveniente dos imigrantes, discriminados em São Paulo, apesar de construir grande parte da riqueza do estado de que se apropria a burguesia. Derrotou àquele que, junto com FHC, é o político mais ligado à empresa – Serra -, que sempre que está sem mandato reassume sua coluna no jornal, fala regularmente com a direção da empresa, aponta jornalistas para cargos de direção – como a bem cheirosa jornalista brasiliense, entre outros – e exige que mandem embora outros, que ele considera que não atuam com todo o empenho a seu favor.

O desespero se apoderou da direção do jornal quando constatou não apenas que Lula sobrevivia à crise manipulada pelo jornal, como saía mais forte e se consolidava como o mais importante estadista brasileiro das últimas décadas, relegando a FHC a um lugar de mandatário fracassado. O jornal perdeu o rumo e passou a atuar de forma cada vez mais partidária, perdendo credibilidade e tiragem ano a ano, até chegar à assunção, por parte de uma executiva da empresa, de que são um partido, confissão que não requer comprovações posteriores. Os empregados do jornal, incluídos todos os jornalistas, ficam assim catalogados como militantes de um partido (tucano, óbvio) político, perdendo a eventual inocência que podiam ainda ter. Cada edição do jornal, cada coluna, cada notícia, cada pesquisa cada editorial, ganharam um sentido novo: orientação política para a (debilitada, conforme confissão da executiva) oposição.

Assim, o jornal menos ainda poderia dizer a verdade. Já nunca confessou a verdade sobre a conclamação aberta à ditadura e o apoio ao golpe militar em 1964 – o regime mais antidemocrático que o país já teve -, do que nunca fez uma autocrítica. Menos ainda da empresa ter emprestado seus carros para operações dos órgãos repressivos do regime de terror que a ditadura tinha imposto, para atuar contra opositores. Foi assim acumulando um passado nebuloso, a que acrescentou um presente vergonhoso.

Episódios como o da “ditabranda”, da ficha falsa da Dilma, da acusação de que o governo teria “matado” (sic) os passageiros do avião da TAM, o vergonhoso artigo de mais um ex-esquerdista que o jornal se utiliza contra a esquerda, com baixezas típicas de um renegado, contra o Lula, a manipulação de pesquisas, o silêncio sobre pesquisas que contrariam as suas (os leitores não conhecem até hoje, a pesquisa da Vox Populi, que contraria a da FSP que, como disse um colunista da própria empresa, era o oxigênio que o candidato do jornal precisava, caso contrário o lançamento da sua candidatura seria “um funeral” (sic). Tudo mostra o rabo preso do jornal com as elites decadentes do país, com o epicentro em São Paulo, que lutam desesperadamente para tentar reaver a apropriação do governo e do Estado brasileiros.

Esse desespero e as mentiras do jornal são tanto maiores, quanto mais se aprofunda a diminuição de tiragem e a crise econômica do jornal, que precisa de um presidente que tenha laços carnais com a empresa e teria dificuldades para obter apoios de um governo cuja candidata é a atacada frontalmente todos os dias pelo jornal.

Por isso a FOLHA MENTE, MENTE, MENTE, DESESPERADAMENTE. Mentirá no fim de semana com nova pesquisa, em que tratará de rebater, com cifras manipuladas – por exemplo, como sempre faz, dando um peso desproporcional a São Paulo em relação aos outros estados -, a irresistível ascensão de Dilma, que tratará de esconder até onde possa e demonstrar que o pífio lançamento de Serra o teria catapultado às alturas. Ou bastaria manter a seu candidato na frente, para fortalecer as posições do partido que dirigem.

Mas quem acredita na isenção de uma pesquisa da Databranda, depois de tudo o que jornal fez, faz e fará, disse, diz e dirá, como partido assumido de oposição? Ninguem mais crê na empresa da família Frias, só mesmo os jornalistas-militantes que vivem dos seus salários e os membros da oposição, com a água pelo pescoço, tentando passar a idéia de que ainda poderiam ganhar a eleição.

Alertemos a todos, sobre essa próxima e as próximas mentiras da Folha, partido da oposição, partido das elites paulistas, partido da reação conservadora que quer voltar ao poder no Brasil, para mantê-lo como um país injusto, desigual, que exclui à maioria da sua população e foi governado para um terço e não para os 190 milhoes de habitantes.

Por isso a FOLHA MENTE, MENTE, MENTE, DESESPERADAMENTE.

Emir Sader é sociólogo e professor.
Fonte: site PT




Quem é Emir Sader? Nasceu em São Paulo, no ano de 1943. Formou-se em Filosofia na Universidade de São Paulo. Fez Mestrado em Filosofia Política e Doutorado em Ciência Política, ambos na Universidade de São Paulo. Na mesma universidade, trabalhou como professor, primeiro de filosofia, depois de ciência política. Foi, ainda, pesquisador do Centro de Estudos Sócio Econômicos da Universidade do Chile, professor de Política na UNICAMP e coordenador do Curso de Especialização em Políticas Sociais na Faculdade de Serviço Social da UERJ. Atualmente dirige o Laboratório de Políticas Públicas na UERJ, onde é professor de sociologia. 

emirsader@uol.com.br 

Livros publicados
Século XX - Uma biografia não-autorizada. Ed. Fundação Perseu Abramo, 2000. 
O Anjo Torto (Esquerda e Direita no Brasil). Ed. Brasiliense, 1995 
Estado e Política em Marx (Ed. Cortez) 
A transição no Brasil: da ditadura à democracia? (Ed. Atual) 
Cuba, Chile e Nicarágua: o socialismo na América Latina (Ed. Atual) 
Que Brasil é este? (Ed. Atual) 
O poder, cadê o poder? (Ed. Boitempo) 
A Revolução Cubana (Ed. Scritta) 
Democracia e Ditadura no Chile (Ed. Brasiliense) 
Governar para todos (Ed. Scritta) 
Da independência à redemocratização (Ed. Brasiliense) 

domingo, 11 de abril de 2010

A importância de Sócrates para a Filosofia e sua 'Apologia' segundo Platão







Sócrates nasceu em Atenas, em 470 a.C., e se tornou uma das maiores figuras da filosofia ocidental. Ao contrário de outros filósofos, Sócrates realizava seus trabalhos em locais públicos de maneira simplificada e descontraída, de forma que todas as pessoas pudessem compreender. Segundo Platão, seu principal aluno, Sócrates não objetivava reunir discípulos e sim educar a maior parte dos residentes em Atenas. Como se dedicava às pessoas, não deixou nenhum pensamento escrito, tudo o que se sabe a seu respeito foi escrito por pessoas que o conheciam.

Revoltou-se contra os sofistas (os primeiros filósofos socráticos) acusando-os de não respeitarem a verdade e a sabedoria, mas em contrapartida concordava com esses em relação à educação ultrapassada que os atenienses recebiam. 

Sócrates propunha que as pessoas deveriam primeiramente se conhecer e somente após tal conhecimento buscarem o conhecimento da natureza e tentarem persuadir outras pessoas, foi quando surgiu a famosa frase: “Conhece-te a ti mesmo”. 

Por preocupar-se demasiadamente com as pessoas e por questioná-las, Sócrates foi acusado de corromper os jovens, além de ser chamado de ateu por causa das coisas que dizia a respeito do conhecimento interior de cada um, o que não passava de pretextos, já que tais acusações foram embasadas em ressentimentos que os governadores mantinham dele. 

Na Ágora ateniense, sob júri composto por 501 pessoas, Sócrates foi condenado à morte. Seus companheiros sugeriram que ele fugisse e se auto-exilasse, mas Sócrates preferiu ser executado a favor de sua filosofia.

Sócrates " _ Animai-vos _ disse ele aos amigos que se mostravam tristes _ e dizei que estão enterrando apenas o meu corpo."


Podemos dizer que a filosofia em suas origens na Grécia antiga passou por três momentos distintos: o primeiro momento foi aquele do rompimento com o conhecimento "convencional" estabelecido em Atenas: o conhecimento mitológico. A primeira missão dos filósofos chamados COSMOLOGISTAS ou FÍSICOS foi exatamente oferecer novas explicações para as questões existenciais acerca do COSMO (Cosmo ou cosmos é um termo que designa o universo em seu conjunto, toda a estrutura universal em sua totalidade, desde o microcosmo ao macrocosmo. O cosmo é a totalidade de todas as coisas deste Universo ordenado, desde as estrelas, até as partículas subatômicas. Pode ser estudado na Cosmologia. Os filósofos do período pré-socrático estavam ocupados em fazer especulações metafísicas acerca das origens do Cosmo).
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No lugar da autoridade dos deuses entrou a autoridade da razão (comum a todos os homens). Expulsando os deuses dos elementos físicos eles foram capazes de construírem um novo conjunto de conhecimentos - com conteúdos desconhecidos e conflitantes com aqueles "convencionais" de até então. 

Na sequência desta etapa, passamos a um segundo momento: agora estamos na etapa dos chamados sofistas - professores de filosofia que cobravam por suas aulas e por isso ganharam a antipatia de Sócrates. Os sofistas ensinavam a seus alunos como pensar, falar e discutir bem para participar da vida política em Atenas. Neste contexto a "retórica" era um instrumento importantíssimo ensinada por eles. Naquele momento podemos dizer que a filosofia estava voltada para as questões existenciais acerca da SOCIEDADE e os sofistas procurava dar conta de uma pluralidade de temas. 

Chegamos ao terceiro momento, nesta etapa o homem é colocado em evidencia: a abordagem filosófica antropológica é apresentada por Sócrates. Este acreditava que somente após conhecer-se a si mesmo é que o homem estaria preparado para se aventurar em outras dimensões de investigações racionais. As investigações de questões existenciais acerca do homem marcam esta etapa.

Por isso, a relevância de nos ocuparmos aqui, e agora, da vida deste homem que representa para a filosofia aquilo que Jesus representa para o Cristianismo... Conhecer Sócrates é uma questão "sine qua non" para compreendermos a filosofia e de quebra, o conhecimento Ocidental.

“Apologia de Sócrates” é uma obra literária escrita pelo filósofo Platão (424/423 a.C. – 348/347 a.C.) na qual o autor exprime sua versão da defesa feita por outro filósofo, Sócrates, em seu próprio julgamento, onde está sendo acusado de corromper a juventude e de não aceitar os deuses que são reconhecidos pelo estado, introduzindo novos cultos.


A Apologia (ou defesa) de Sócrates de autoria de Platão é um dos primeiros relatos da defesa de Sócrates em meio ao famoso julgamento que resultou na sua morte por ingestão de cicuta, poderoso veneno. Várias outras “Apologias” seriam elaboradas nos anos seguintes, destacando-se ainda a feita por Xenofonte.


"(...) Somos privilegiados por podermos ler aquela simples e corajosa (senão legendária) "apologia", ou defesa, na qual o primeiro mártir da filosofia proclamou os direitos e a necessidade de livre pensamento, sustentou seu valor pessoal para o Estado e recusou-se a pedir clemência à multidão que ele sempre desprezara. Ela detinha poderes para perdoá-lo; ele desdenhou de fazer o apelo. Foi uma singular confirmação de suas teorias o fato de os juízes quererem pô-lo em liberdade, enquanto a multidão irada votava pela sua morte. Não tinha ele negado os deuses? Maldito aquele que ensinava aos homens mais depressa do que eles podem aprender. Por isso, decretaram que ele deveria tomar cicuta. Seus amigos dirigiram-se à prisão onde ele se achava e lhe ofereceram uma fuga fácil: haviam subornado todos os funcionários que se achavam entre ele e a liberdade. Ele se recusou. Estava com setenta anos de idade agora (399 a.C.); talvez achasse que estava na hora de morrer, e que nunca teria nova oportunidade de morrer de forma tão proveitosa. _ Animai-vos _ disse ele aos amigos que se mostravam tristes _ e dizei que estão enterrando apenas o meu corpo. "Ao acabar de proferir aquelas palavras", diz Platão em uma das grandes passagens da literatura mundial (Fédon, 116-118, na tradução inglesa de Jowett):

ele se levantou e se dirigiu ao banheiro com Críton, que nos pediu que esperássemos; e esperamos, conversando e pensando (...) na grandeza de nossa dor. Ele era como um pai do qual estávamos sendo privados, e estamos prestes a passar o resto da vida órfãos. (...) A hora de pôr-do-sol estava próxima, pois já se passara um longo tempo desde que ele entrara no banheiro. Quando saiu, tornou-se a sentar-se conosco (...), mas não se falou muito. Pouco depois, o carcereiro (...) entrou e postou perto dele, dizendo: _ A ti, Sócrates, que reconheço ser o mais nobre, o mais dedicado e o melhor de todos o que já vieram para cá, não irei atribuir os sentimentos de raiva de outros homens, que se enfureceram e praguejam contra mim quando, em obediência às autoridades, lhes mando beber o veneno... de fato, estou certo de que não ficarás zangado comigo; porque como sabes, são outros, e não eu, os culpados disso. E assim eu te saúdo, e peço que suportes sem amargura aquilo que precisa ser feito; sabes qual é a minha missão. _ E caindo em prantos, voltou-se e retirou-se. Sócrates olhou para ele e disse: _ Retribuo tua saudação, e farei como me pede. _ E então, voltando-se para nós, disse: _ Como é fascinante este homem; desde que fui preso, ele tem vindo sempre me ver, e agora vede a generosidade com que lamenta a minha sorte. Mas devemos fazer o que ele diz, Críton; que tragam a taça, se o veneno estiver preparado; se não estiver, que o encarregado o prepare. _ No entanto _ disse Críton _, o sol ainda se encontra no topo das montanhas, e vários têm tomado a bebida tarde da noite. E depois de feita a comunicação, têm comido, bebido e se dedicado aos prazeres da carne; não te apresse, pois; ainda há tempo. Sócrates disse: _ Sim, Críton, e esses de quem falas estão certos ao fazerem isso, porque pensam que vão lucrar com a demora. Mas tenho razão ao não fazê-lo, porque acho que não iria ganhar coisa alguma por beber um pouco mais tarde; estaria poupando e salvando uma vida que já se acabou, só me caberia rir de mim mesmo por causa disso. Peço-te, pois, que faças o que digo, e não te recuses. Críton, ao ouvir isso, fez um sinal para o criado; o criado foi até lá dentro, onde se demorou algum tempo; depois voltou com o carcereiro trazendo a taça de veneno. Sócrates disse: _ Tu, meu bom amigo, que tens experiência nesses assuntos, irás me dizer como devo fazer. O homem respondeu: _ Basta caminhar de um lado para o outro, até que tuas pernas fiquem pesadas; depois, deita-te, e o veneno agirá. _ Ao mesmo tempo, estendeu a taça a Sócrates, que, com a maior naturalidade e elegância, sem o menor medo ou sem a menor mudança de cor ou de fisionomia, olhando fixamente para o homem, como era seu costume, segurou-a e disse: _ O que achas de uma libação a um deus qualquer, derramando um pouco desta bebida? Posso, ou não posso? O homem respondeu: _ Nós só preparamos, Sócrates, a quantidade que achamos necessária. _ Compreendo _ disse ele. _ No entanto, posso e devo rezar aos deuses para que protejam minha viagem deste para o outro mundo; que isto, então, que é minha oração, me seja concedido. _ E então, levando a taça aos lábios, bebeu rápida e decididamente o veneno. Até aquele instante, a maioria de nós conseguia controlar a dor; mas agora, vendo-o beber e vendo, também, que ele tomara toda a bebida, não pudemos mais nos conter; apesar de meus esforços, lágrimas corriam aos borbotões. Cobri o rosto e chorei por mim mesmo; pois não havia dúvida de que não estava chorando por ele, mas por pensar na calamidade de ter perdido tal companheiro. E não fui o primeiro, pois Críton, quando se vira incapaz de conter as lágrimas, levantara-se e se afastara, e eu o segui; e naquele momento, Apolodoro, que estivera soluçando o tempo todo, prorrompeu num choro alto que nos transformou todos em covardes. Sócrates foi o único a manter a calma: _ Que tumulto estranho é esse? _ disse ele _ Mandei as mulheres embora principalmente para que elas não causassem um tumulto desses, pois ouvi dizer que um homem deve morrer em paz. Acalmai-vos, pois, e tenhais paciência. Ao ouvirmos aquilo, sentimo-nos envergonhados e contivemos as lágrimas; e ele andou de um lado para outro, até que, como nos disse, as pernas começaram a fraquejar; então ele se deitou de costas, segundo as instruções, e o homem que lhe dera o veneno examinava-lhe, de vez em quando, os pés e pernas. Depois de algum tempo, o homem apertou-lhe o pé com força e perguntou se ele sentia; ele respondeu que não. depois apertou-lhe a perna, e foi subindo, subindo, e nos mostrou que ele estava insensível e rígido. E então o próprio Sócrates apalpou as pernas e disse: _ Quando o veneno chegar ao coração, será o fim. Ele estava começando a ficar insensível na virilha, quando descobriu o rosto (pois havia se coberto) e disse _ e foram suas últimas palavras: _ Críton, eu devo um galo a Asclépio; vais te lembrar de pagar essa dívida? _ A dívida será paga _ Disse Críton. _ Mais alguma coisa? Não houve resposta àquela pergunta, mais um ou dois minutos depois ouviu-se um movimento, e o criado o descobriu; os olhos estavam parados, e Críton fechou-lhe os olhos e a boca. Foi este o fim de nosso amigo, a quem posso sinceramente chamar de o mais sábio, mais justo e melhor de todos os homens que conheci".


Referência

DURANT, Will. A história da filosofia. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 30-32.