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FILOPARANAVAÍ

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A importância dos conhecimentos científico e senso comum em relação à Cultura



Até a idade média a religião era quem determinava o que era verdade, e era quem possuía todas as explicações sobre todos os fenômenos. Atualmente a ciência ocupou o lugar da religião. E a religião passou a produzir verdades por adesão, ou seja, só as adere quem acredita nelas. 

A ciência nasce no século XVII, o fazer ciência acontece com a observação da realidade. A partir desta ação, busca-se levantar hipóteses. A ciência busca a produção de verdades, e se a teoria em questão é confirmada de acordo com os procedimentos pertinentes ao conhecimento científico, tal teoria é tomada como uma verdade, embora na ciência as verdades sejam provisórias, porque com o passar do tempo elas deixam de ocupar o seu lugar como verdade. Entretanto, a única verdade da ciência reside no seu método

A razão é a grande produtora de verdades acerca do conhecimento sobre a natureza e dos seus inúmeros aspectos e peças. 

A ciência tem a função de ordenar o grande quebra-cabeça cósmico. Pois, para a racionalidade moderna, a partir do século XVIII, só há uma grande certeza, um dogma: o da ciência como caminho único para a obtenção da verdade. Portanto, para o processo de sua produção.  

Ao situarmos os contextos de produção do conhecimento; sabe-se que O conhecimento científico é produzido num contexto específico, a comunidade científica. 

Já o senso comum é um conhecimento prático, produzido em nosso cotidiano, e é por meio dele que orientamos as nossas ações. 

O senso comum representa a realidade em que estamos inseridos, é um conhecimento fértil, representa as inquietações do sujeito. 

A ciência rompe com o senso comum, porque o considerou superficial, ilusório e falso.  (...) É certo que o conhecimento do senso comum tende a ser um conhecimento mistificado e mistificador, mas, apesar disso e apesar de ser conservador, tem uma dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo com o conhecimento científico. 

A ciência se opõe a opinião. 

Pois, para a Ciência nada é dado, tudo se constrói. 

O senso comum representa a experiência imediata, o conhecimento vulgar; as opiniões. Ou seja, tudo o que se precisa romper para se tornar possível o conhecimento científico, racional e válido. A paixão é incompatível com o conhecimento científico, precisamente porque a sua presença na natureza humana representa a exata medida da incapacidade do homem para agir e pensar racionalmente. 

Cada modelo de produção de conhecimento tem suas particularidades no tocante à obtenção de suas verdades. Inicialmente a humanidade iniciou suas crenças a partir das concepções do senso comum, e posteriormente através da razão e da racionalidade modernas, apropriou-se das premissas da ciência. 

O Senso Comum  tem por base princípios que são completamente rejeitados pela ciência: a imaginação, os sentimentos, os sentidos, as paixões, a especulação e a fé. 

Ao contrário do que prega a ciência, estes princípios são norteadores para a criação e formatação do patrimônio cultural de natureza imaterial. Que é baseado em toda a experiência cotidiana, permeado pela imaginação, crenças, paixões, medos, mitos, costumes, superstições. 

Todo o conhecimento produzido pelas populações tem a finalidade de determinar e caracterizar o seu modo de vida; é uma representação de como uma cultura local pode manter-se e se conservar viva

E o meio para que tal fato aconteça é através da definição e delimitação do patrimônio imaterial. Este é produzido e determinado através dos conhecimentos do senso comum. 

Pois, as concepções do senso comum são totalmente incompatíveis e inconcebíveis ao conhecimento científico. 

Assim, a determinação do que é, e como é representado o patrimônio imaterial, fica sob o olhar e determinação do senso comum, pois este compreende claramente os aspectos inconcebíveis a ciência. 

O patrimônio cultural material é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. 

Eles estão divididos em bens imóveis como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; e móveis como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. 

Ao contrário do patrimônio imaterial, regido pelo senso comum; o patrimônio material é determinado pela ciência. É ela que determina o que pode e o que deve ser tombado, quais as formas aplicáveis de conservação e restauro e os materiais propícios para esta atividade, e em quais circunstâncias devem ser realizadas, como devem ser as técnicas de escavação de sítios arqueológicos, qual o valor a ser atribuído a determinadas obras artísticas, enfim, é a ciência que estipula o que é o patrimônio material e como, porque e para que deve ser patrimonializado, tombado e restaurado. 

A delimitação científica do patrimônio cultural material é determinada pela união dos conhecimentos das mais diversas áreas; literatura, música, história, arquitetura, arqueologia, direito, engenharia, pautados em conhecimento específicos dotados de clareza e objetividade. 

Desta forma, ao se apropriar do seu patrimônio imaterial, produzido pelo senso comum, as comunidades tem reforçadas a sua identidade e coesão. E na apropriação do patrimônio material, produzido através do conhecimento científico das mais diversas áreas, através da patrimonialização e de seu reconhecimento e conservação, a sociedade encontra além da sua identidade, a oportunidade de se obter retorno turístico, social e econômico dos bens culturais. 

Enfim, a ciência e o senso comum podem trazer no campo do patrimônio cultural muito mais que sua compreensão, tem também a função de se constituírem como vetores do desenvolvimento.

(Adaptado para fins de estudos, de SILVA, Sandra da Siqueira. A relação entre ciência e senso comum: Para uma compreensão do patrimônio cultural de natureza material e imaterial. Revista eletrônica  Ponto Urbe 9, ano 2011. Disponível em: <https://journals.openedition.org/>. Acesso 27 Mar. 2019).




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domingo, 22 de agosto de 2010

Há 15 anos, o adeus de Florestan Fernandes. Uma homenagem ao Sociólogo Florestan, um dos heróis da Democracia Brasileira.

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FLORESTAN FERNANDES

atualizado em filoparanavai em 22.08.2010 12:15
Em 10 de agosto de 1995, falecia, aos 75 anos de idade, Florestan Fernandes.

Sociólogo considerado um dos mais notáveis intelectuais brasileiros, Florestan uniu com maestria a excelência acadêmica à atuação política. Defensor apaixonado da educação pública, sempre próximo dos movimentos sociais, foi eleito deputado federal duas vezes pelo PT.

Teve, ao longo de toda a vida, intensa atividade acadêmica. Quando, crítico do Regime militar, foi afastado da USP pela ditadura em 1969, seguiu lecionando e produzindo em universidades como as estadunidenses Yale e Columbia.

Hoje, nas suas mais de 50 obras publicadas, vive como exemplo de pensamento e militância.

Nestes quinze anos de sua partida, neste mesmo mês de agosto, o Blog FILOPARANAVAI celebra o pensamento e a história de Florestan Fernandes com uma entrevista da Revista Teoria e Debate do ano de 1991.


Memória : Entrevista - Florestan Fernandes
Teoria e Debate nº 13 - janeiro/fevereiro/março 1991
publicado em 11/04/2006


Engraxate, balconista, vendedor, ele superou as dificuldades da origem humilde e se tornou um dos intelectuais mais respeitados do País. Neste depoimento, sua vida, opiniões e militância.

por Paulo de Tarso Venceslau*

Oito horas de gravação passaram como se fossem segundos. Foi o tempo que durou a entrevista com o mestre e companheiro Florestan Fernandes para Teoria & Debate. As respostas são sempre precedidas de explicações capazes de situar os mais leigos no contexto histórico ou teórico necessário para seu bom entendimento. Tudo feito com muita humildade e simplicidade. Pode-se discordar de sua opinião, mas ninguém é capaz de questionar o conteúdo de suas observações.

Trabalhador intelectual que estudava nas praças públicas e nos bondes de São Paulo, arrimo de família, o professor Florestan desenvolveu uma carreira brilhante. O menino de rua virou doutor respeitado internacionalmente pelas obras e pesquisas realizadas no campo das Ciências Sociais. O intelectual engajou-se na política, mas não permitiu que seu trabalho fosse desvirtuado por sua opção ideológica.


Militante trotskista, foi convidado a dirigir uma organização guerrilheira durante a ditadura militar. Recusou educadamente, após longa explanação sobre a inconveniência da proposta de se partir para a luta armada na conjuntura daquela época. Sua trincheira era a universidade onde resistiu à repressão, mesmo quando ameaçado e preso.

Reeleito deputado federal no ano passado, Florestan expõe aqui dúvidas e críticas que certamente contribuirão para fortalecer o Partido dos Trabalhadores.

Professor, diante da crise que vive hoje o socialismo, o que precisaria ser revisto?
Os processos históricos precisam ser aceitos com objetividade. Não adianta nada nós pretendermos moldar a sociedade de acordo com as ideologias, com as utopias, e muito menos com aquilo que cada pessoa considera como sendo o mais importante, o mais desejado. Os agentes históricos, ao conquistarem sua auto-emancipação coletiva, escolherão os rumos e a forma da nova sociedade. Eu sou socialista, portanto acredito que nós vamos construir uma sociedade socialista, que deverá começar com uma democracia da maioria, atingir a igualdade com liberdade e desenvolver todos os elementos fundamentais da personalidade humana. Trata-se de um socialismo que defende um humanismo — uma síntese, uma superação de todas as outras formas de humanismo anteriores.


Isto, nos anos 60, foi polêmico: os agrupamentos marxistas-leninistas refutavam qualquer vinculação do marxismo com o humanismo. Essa polêmica não passou por Marx, Engels e nem pelos principais teóricos do marxismo, até Gramsci. Basta ler os Ensaios econômicos e filosóficos de Marx para ver qual é o nível de profundidade do marxismo. Se o movimento comunista é visto como um movimento social que visa alterar o atual estado de coisas e extinguir a alienação, a brutalização, a objetificação dos trabalhadores, então ele é um movimento por um novo humanismo. Não um humanismo espiritualista ou retórico, mas daqueles que acreditam que os trabalhadores podem ser agentes históricos; construir os padrões de vida e moralidade dentro dos quais vão viver, gerir a sociedade de uma maneira igualitária. Isso define um humanismo em um nível profundo, liga o indivíduo à sua personalidade, cultura, sociedade e história. Não é apenas uma manifestação filosófica, metafísica e muito menos religiosa: é um humanismo que pretende extinguir os fatores que impedem o total desenvolvimento da pessoa.

O senhor teve alguma formação religiosa?
Tive. A minha família é de origem portuguesa e é difícil divorciar o português do catolicismo, especialmente portugueses do Norte. Essa área de Portugal ficou vinculada à dominação católica mais conservadora que se possa imaginar. O clero daquela região é muito conservador.

Sua mãe era portuguesa?
Ela é portuguesa. Está viva, com mais de 92 anos. Apesar de não ir à missa com freqüência, ela sempre cumpria as obrigações religiosas e me forçou a fazer o catecismo na igreja do Cambuci e a primeira comunhão. Mas, na medida em que fui aprofundando o estudo de ciências sociais, fui me afastando da religião. Além disso, minha vida não facilitava o crescimento da fé, porque sofri muitas privações na infância. Tive de começar a trabalhar com 6 anos e ficava afastado de casa de oito até dez horas por dia.

Que trabalhos eram esses?
Com 6 anos, eu só podia fazer pequenas tarefas, como, por exemplo, limpar as costas de fregueses em barbearias para ganhar gorjetas. Uma vez uma senhora me pediu para transportar uma caixa de mangas da Estação da Luz até a rua Treze de Maio. Imagine se há humanidade ou sentido cristão nesse tipo de trabalho! Ganhei quatrocentos réis para fazer isso. Eu fazia todo tipo de coisa até descobrir que ser engraxate era uma coisa boa para mim. Trabalhei em açougue, marcenaria, alfaiataria, padaria, restaurante, bar, até que fui trabalhar na Novoterápica. Nesse ínterim consegui acabar o curso de madureza — não havia terminado o primário. O curso primário eu fiz um pouco em uma escola privada na avenida Celso Garcia, perto da casa da minha madrinha. Depois minha mãe me tirou de lá e fui para o Grupo Escolar Maria José, onde estudei até o 3º ano.

O senhor era arrimo de família?
Digamos que no início eu repartia com minha mãe a obrigação de sustentar o lar. Ela tinha dois filhos: eu e uma menina, que morreu com 5 anos. Costumo dizer que nós vivíamos ao léu, pois podíamos estar na Bela Vista, no Bosque da Saúde, na Penha ou no Brás. Nós morávamos em pequenos cortiços ou em porões e quando o aluguel subia éramos obrigados a abandonar o lugar em que estávamos. Nós éramos tocados pela vida, de uma maneira dura. Minha mãe trabalhou como doméstica e depois como lavadeira. Mais tarde, quando tinha 14 anos, me tornei arrimo. A nossa vida era difícil. Depois de algum tempo, fui morar com um amigo da enteada de minha madrinha: a dona da casa chamava-se dona Vilma de Castro. O marido dela, José de Castro Manso Preto. Quando souberam que eu só comia sanduíches e tomava leite, ou então ia comer em restaurante de comida chinesa, que naquela época era a mais barata que havia em São Paulo, me chamaram para jantar e exigiram que comesse na casa deles. Eles moravam na avenida Celso Garcia, no antigo número 141. Para mim era fácil, porque ali pegava o bonde para o Bom Retiro. Eu descia numa rua que dava direto na alameda Nothmann e dali seguia para o Ginásio Riachuelo, onde em três anos fiz o equivalente a sete anos de estudos. Nessa época, fui vender artigos dentários. Passei, então, a ter liberdade para freqüentar o curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia, na praça da República.

O senhor tinha quantos anos?
Dezessete anos e meio. Com o madureza, eliminei todo o atraso e fui o quinto colocado entre os estudantes aprovados no exame para a faculdade.

A que o senhor atribui esta performance?
Eu nunca parei de estudar. A minha mãe teve um companheiro que se chamava João de Carvalho, que tinha vários livros. E eu, na casa da minha madrinha, aprendi a valorizar a cultura. Juntando essas duas coisas à minha curiosidade, acabei me tornando um autodidata.

Mas em que hora o senhor se dedicava ao estudo?
Quando podia: em casa, no bonde... Às vezes, eu acabava de vender artigos dentários nas imediações da rua Barão de Itapetininga e aproveitava para ir à praça da República, onde ficava uma biblioteca ambulante da prefeitura. Quando comecei o madureza, já possuía uma base intelectual suficiente para ser um bom aluno. O Ginásio Riachuelo, graças ao professor Benedito de Oliveira, que era um grande educador, era nossa casa. Nós tínhamos a chave e continuávamos a estudar depois que as aulas terminavam, durante uma hora ou mais, dependendo do horário do bonde. Além dos livros do curso, nós líamos também volumes de filosofia, matéria que não fazia parte do currículo, e discutíamos os romancistas da década de 1930 e os autores modernistas.

Por que o senhor foi estudar sociologia?
Eu queria fazer engenharia química. Não pude porque não tinha recursos para me manter na escola o dia inteiro. Por isso, tive de escolher entre os cursos de meio período. Destes, o que me atraiu mais foi o de ciências sociais. Foi uma boa escolha, porque a minha ambição era ser professor. Quando acabei o curso, tive dois convites para ser assistente na Faculdade de Filosofia.

Em que ano o senhor terminou?
Comecei em 1941 e terminei em 1943. Fiz licenciatura em 1944. E comecei a trabalhar na faculdade em 1945.

O seu pensamento progressista começou a ser formulado antes da sua entrada na faculdade?
Durante todo o período em que trabalhei como aprendiz em marcenaria, alfaiataria etc., havia uma certa inquietação social de caráter populista. Em 1930, por exemplo, eu corri pelas ruas gritando "queremos Getúlio". Porque o sentimento de oposição era muito forte nas massas populares. Eu era um autêntico condenado da terra. Descalço, corria pelas ruas com aquela multidão. E encontrei, nos meus locais de trabalho, pessoas que tinham vínculos com os anarquistas, com os socialistas, com os comunistas. Eu recebi alguma influência deles. Quando fui para a Faculdade de Filosofia, a escolha de ciências sociais estava nebulosamente imbricada à idéia de que eu teria um conhecimento que seria útil para transformar a sociedade. Depois vi que, ao contrário, a estrutura do curso estava voltada para estudar a sociedade de uma maneira científica, não havia polarização ideológica. Na faculdade, a maioria dos professores era composta por franceses, um deles era alemão, poucos eram brasileiros. Comecei, então, eventualmente, a freqüentar conferências sobre Marx, Engels e Rosa Luxemburgo, promovidas pelo Partido Comunista, que apesar de ilegal organizava atividades de divulgação teórica.

O senhor disse que trabalhou em um bar?
Sim, na copa e na cozinha do bar Bidu. Fazia um sanduíche com aliche e salsa picada (eu tenho habilidade para lidar com a faca) que o Manuel Lopes Teixeira, da Novaterápica, adorava. Eu colocava um pozinho verde e azeite português e fazia um pacotinho para ele levar. Um dia, o Maneco ficou esperando que o bar fechasse, saiu comigo e me perguntou o que pretendia fazer na vida. Respondi que gostaria de estudar. "E por que você não sai desse emprego e estuda?" Eu disse: "Já tentei mas não consegui." Naquela época, as pessoas mais estigmatizadas socialmente eram as prostitutas, os negros e as pessoas que trabalhavam em bares e restaurantes. Ninguém dava outro emprego para nós. Aí ele falou: "Você vai poder estudar, porque vou arrumar um outro emprego para você. Mas você precisa fazer o tiro-de-guerra, senão vai ter de interromper os estudos. E também precisa aprender datilografia. Quando estiver tudo pronto, você me avisa." Eu tive uma conversa com os donos do bar, que eram muito meus amigos. Para eles era ruim que eu saísse três vezes por semana na hora de pico do movimento. Mas como eu era considerado um funcionário exemplar, eles cederam. Aí eu ia ao tiro-de-guerra 546, que funcionava na rua do Carmo; e fiz o curso de datilografia na praça da Sé. Quando terminei, avisei o Maneco e ele me colocou na Novoterápica como entregador de amostras. Depois, passei a cuidar do estoque e mais tarde fui promovido a chefe da seção de dentes. Era capaz de separar dentes por cor e por tipo. Daí a facilidade com que me transferi para a área de artigos dentários do Boticão Universal. Quando fiz os exames e entrei para a faculdade, passei a vender artigos recebendo ajuda de custo e comissão. Passado algum tempo, o Maneco descobriu que a Pio Miranda e Cia. ia precisar de um propagandista. Fiz um concurso e consegui o cargo. O pessoal do laboratório acreditava que eu gastava oito horas por dia para fazer oito visitas. Mas, na verdade, eu gastava muito menos. Era o posto ideal para eu poder estudar. Sobrava tempo para ir à escola e estudar à noite. Com isso, consegui me formar. Eu me casei em 1944 e, como o salário de professor-assistente não era suficiente para nos mantermos, ainda trabalhei por dois anos como propagandista. Os médicos, meus clientes, ficavam constrangidos, porque achavam que eu, professor-assistente, era hierarquicamente superior a eles.

Onde o senhor conheceu sua esposa?
Eu conheci a Míriam na casa de um amigo meu que namorava sua irmã. Ele se chamava Coríntio Palma e trabalhava na Novoterápica. O namoro foi longo, uns cinco, seis anos. Depois me casei.

O senhor já era socialista?
Na Novoterápica conheci o Scalla, principal auxiliar do Maneco. A família dele era vinculada ao socialismo. E havia um italiano, que depois se casou com uma irmã dele, recém-chegada da Itália, com idéias muito frescas sobre o movimento socialista europeu. Eu tinha lido muitos livros, mas sem sistematização. O contato com essa família serviu para tornar as coisas mais claras para mim. E comecei a freqüentar as redações de O Estado de São Paulo, e principalmente da Folha da Manhã, onde conheci o Hermínio Sacchetta, que era líder do movimento trotskista, ligado à IV Internacional. Assim, em 1943 me tornei militante do Partido Socialista Revolucionário na célula a que pertenciam o Sacchetta, Rocha Barros, Plínio Gomes de Mello, Vítor de Azevedo e José Stacchini.

Quer dizer que o senhor começou a militar sem passar pelo Partido Comunista?
A minha aspiração era ir para o Partido Comunista. Mas as circunstâncias me levaram ao movimento trotskista. Ademais, não gostei do tipo de disciplina do pc.

O senhor chegou a ter contatos com o PC?
Tive diversos. Os comunistas levavam as pessoas para reuniões, festas, conferências, mas havia um elemento autoritário que eu repelia. Com a filiação ao PSR, seção brasileira da IV Internacional, minha militância se tornou sistemática. Nessa época, fiz a tradução da Crítica da economia política, de Marx. O livro saiu em 1946. Eu estudava alemão, mas não sabia o suficiente para traduzir. Então, usei uma edição em inglês, emprestada pelo advogado Alberto da Rocha Barros. Havia uma outra edição espanhola, boa, e uma edição francesa. A pior era a francesa, a melhor era a espanhola. A minha tradução é montada sobre os três textos. Eu cometi alguns erros porque, como eu estudava ciências sociais, usei a terminologia sociológica para alguns conceitos marxistas.

Quando o senhor saiu do movimento trotskista?
Eu me mantive nele até o início dos anos 50. Aí os próprios companheiros acharam que não seria conveniente que eu desperdiçasse o tempo em um movimento de pequeno alcance, quando podia me dedicar a trabalhos de maior envergadura na universidade. O Sacchetta, que era um homem esclarecido, me aconselhou: "É melhor você se afastar da organização e se dedicar à universidade, que vai ser mais importante para nós."

Foi na Universidade que o senhor aprofundou sua formação marxista?
Descobri o marxismo com a tradução da Crítica... Para mim, foi uma revelação. Ao escrever a introdução da Crítica..., eu não tinha competência para fazer um estudo profundo. Era muito mais uma homenagem, uma defesa de Marx. Apesar de tudo, coloquei problemas que entrariam em efervescência na Europa pouco depois. Dei grande destaque ao pensamento do que mais tarde se chamou na Europa de "o jovem Marx". Situaram-me como enfant terrible da sociologia brasileira por causa disso. Eu sentia uma grande afinidade com esse jovem Marx. Nele, o homem era visto como parte da natureza, portador de cultura e criador da história.

O que seria exatamente ultrapassar Marx?
Bem, isto é algo que não depende propriamente de nós, porque Marx se vincula à dinâmica da classe trabalhadora. Hoje, para superá-lo, nós teríamos de ter uma relação dialética com as classes que ocupam uma posição revolucionária na história. O proletariado interessava a Marx e Engels porque eles o viam como a única classe revolucionária. E, portanto, era por intermédio dela que eles absorviam o pensamento revolucionário de conteúdo histórico, ao mesmo tempo negador da ordem e capaz de promover uma síntese, e ultrapassar a situação existente.

Quais seriam essas classes hoje?
Esse é o grande dilema do cientista social: hoje você não tem como identificar uma classe que pareça vinculada à negação da ordem. Eu acredito que na periferia o problema é mais simples. São os trabalhadores e principalmente os excluídos, os que Frantz Fanon chamou de "condenados da terra". Eles contêm a radicalização maior, aquela que exige que a ordem existente seja virada de cabeça para baixo. Nos países centrais, ainda não surgiu uma classe que tenha a potencialidade de negação da ordem no plano histórico. Está no plano do vir-a-ser. O radicalismo da classe média é muito mais vinculado a frustrações, ao medo da proletarização, enquanto os trabalhadores e os excluídos acabam sendo trabalhados pelos meios de comunicação de massa e só percebem a realidade por meio de imagens que obscurecem o pensamento.

O conceito de "trabalhadores" não está muito fluido?
Ele não é fluido porque há um elemento comum. A grande novidade de nossa época é o aparecimento do trabalho intelectual em uma escala mais ampla. O trabalhador intelectual acabou tendo uma posição na produção que absorve uma porção de funções que antes sobrecarregavam o trabalhador manual. Atualmente, o trabalhador manual é muito mais um marginalizado do que um elemento que carrega uma concepção de mundo homogênea. A luta ideológica hoje é mediada por instrumentos de dominação muito potentes e isso confere às elites das classes dominantes a capacidade de se ocultarem como tal, e ao mesmo tempo de manipularem o comportamento coletivo das massas não só por intermédio do Estado e da empresa, mas também por meio da cultura. É possível que, no fundo, essas polarizações se alterem. O que o marxismo explica é a dinâmica do capitalismo e as contradições que vão destruí-lo. Isso não foi negado até hoje.

Mas também não foi confirmado.
Não foi confirmado. No entanto, o socialismo está mais vivo do que nunca, porque ele está livre das contingências e das limitações, das condições que eram obstáculos ao seu pleno desenvolvimento e realização.

O senhor está se referindo às mudanças no Leste Europeu?
Sim, às mudanças que estão ocorrendo. O socialismo volta a ser a promessa pura e completa que era no passado, enquanto o capitalismo não é mais promessa de nada. Qual é a promessa que há no capitalismo?

Mas essa sua opinião não é contraditória com o artigo que o senhor escreveu elogiando a Albânia?
Na Albânia, não existem as condições para que a explosão contra o regime seja violenta. Mas o regime está sob pressão. O ministro da Economia, o próprio presidente do país, foram muito claros: estão buscando novas saídas. Não querem fazer concessões ao capitalismo, mas, ao mesmo tempo, viam que não podiam ficar presos em uma ratoeira. Então, eu tinha de admitir a idéia experimental. Quem ler o artigo com cuidado vai ver que eu terminei dizendo que ainda não há uma alternativa. Tanto pode se repetir o que aconteceu no Leste Europeu como pode haver uma renovação produzida pelas próprias forças sociais internas. O que está subjacente no meu artigo não é a defesa da Albânia, mas sua localização no contexto de uma experiência crucial, o que é diferente. As pessoas não lêem direito! Lêem uma parte e depois concluem o que você não disse. Eu não tenho culpa.


Existem hoje correntes de pensamento que criticam Marx e combatem o próprio PT, dizendo que o partido tem uma visão monoclassista.
Mas um dos dilemas do PT é não ser monoclassista. Na verdade, esse reducionismo que tem sido imputado ao marxismo não existe. As pessoas não lêem Marx, lêem divulgadores e depois simplificam. O que ele afirma é que uma classe é portadora da condição de classe revolucionária. Mas ele sabia que existe um exército industrial de reserva, que na população excedente há uma variedade imensa de pessoas que não estão incluídas nem no exército ativo, nem no exército industrial de reserva. Ele sabia que existem as colônias, que há uma burguesia diferenciada, que há uma nobreza que ainda tem força na Inglaterra. Marx era um homem de uma imaginação fértil, muito vibrátil, capaz de apanhar a totalidade. Quando se esquece que uma pessoa tem a totalidade e depois se fala em reducionismo está se cometendo uma falsificação.

Uma boa parte dos intelectuais brasileiros estaria, então, reduzindo o pensamento de Marx?
Há marxistas e marxistas. Na universidade, conheci pouca gente que realmente havia lido Marx. Eu próprio não conheço Marx tanto quanto desejaria. Paul Singer, por exemplo, é uma pessoa que conhece Marx e o marxismo e, no entanto, tem posições moderadas. Há pessoas que conhecem Marx como Otávio Ianni, José Paulo Neto, Jacob Gorender. Agora, o problema é saber se o marxismo continua a ter atualidade ou não. Em O Marxismo Ocidental, Perry Anderson disse que o marxismo se empobreceu na medida em que intelectuais marxistas passaram a ser intelectuais não-ativistas. O intelectual não pode se dissociar da prática política, sob pena de perder a perspectiva de classe e cair no vício acadêmico do pensamento abstrato. Aí, queira ou não, nós acabamos num Althusser. Com todo respeito que merece, ele fez uma metafísica do marxismo. Agora, ser ativista não significa necessariamente filiar-se a um partido. No Manifesto Comunista, Marx e Engels não falam em partido comunista. Eles falam que a função dos comunistas é servir a todos os partidos operários. E que o comunista devia levar a eles a visão de conjunto, a totalidade das grandes transformações que ocorrem e o que elas vão gerar. Seriam elementos fermentadores no processo político e de produção intelectual.

O senhor diz que o marxismo se empobreceu porque os intelectuais se desvincularam da prática. E como o professor Florestan Fernandes, um intelectual, vinculou teoria e prática?
Em 1964, a minha inclusão em uma lista de professores a serem inquiridos pelos policiais militares estava ligada à minha própria vida intelectual. Quando eu cheguei à universidade, eu era o Florestan de origem proletária, o que nunca neguei. Eu não procurei na universidade um meio de ascender socialmente e me confundir com as elites. Sempre tive um papel ativo: me tornei assistente na Faculdade de Filosofia, e a primeira coisa que comecei a fazer foi combater a cátedra, uma forma arcaica de autoridade do professor, e a lutar para a autogestão coletiva do departamento. Inclusive, defendi a gestão paritária. Fiz parte das campanhas de defesa da escola pública, pelas reformas estruturais de base e pela reforma universitária. Em 1964, puniu-se esse padrão intelectual, indesejável em uma sociedade na qual as elites querem manter a sua ordem de qualquer maneira.


Depois de 1964, o senhor continuou na universidade?
Todos continuamos. De 1964 a 1969 assumi um papel ainda mais ativo. Já havia a Junta Militar, e eu ainda estava lutando. Percorri todo o Brasil, fiz conferências, cheguei a fazer quatro conferências em um dia em Porto Alegre. Houve uma tentativa de me arrastarem para a guerrilha. Enquanto um dos grupos se constituía, me foi oferecida a sua chefia. Aí eu disse: "Olha, devido à minha visão marxista da luta de classes eu não posso aceitar fazer parte da guerrilha."

Que grupo era esse, professor?
Eu não posso dizer, mas essas pessoas me procuraram por duas vezes na Faculdade de Filosofia. Formavam um grupo novo, que se aglutinava em termos radicais. Recusei dizendo que, como marxista, eu não podia aceitar, porque se a guerrilha não existisse, a ditadura precisaria criá-la para aprofundar a repressão e a contra-revolução. Não havia condições para uma ruptura no plano político, suficientemente profunda, para que a guerrilha pudesse ser o detonador de uma rebelião das classes trabalhadoras e das massas populares. Então, eu disse: "Não, eu não entro nessa." Eu respeito muito os companheiros que morreram na guerrilha, porque deram demonstração de valor e altruísmo, sacrificaram a própria vida. Acho que a guerrilha tem chance quando está associada a um movimento de inquietação, de revolta, e nós não tínhamos aquilo. No final de 1968, a ditadura tinha de fazer comigo o que ela fez, porque assim como fui implacável na luta eles tinham de ser implacáveis na repressão. Fui submetido a Inquérito Policial Militar, processado, julgado e inocentado pela Justiça Militar e, finalmente, cassado pelo AI-5 e afastado da universidade.

Como foi sua saída do Brasil?
Não foi uma saída legal, foi virulenta e difícil. Ela aconteceu por pressões externas. Houve protestos na Universidade de Toronto e do governo do Canadá. Mas houve algo ainda mais eficiente que eu só soube depois de ter cometido muitas injustiças contra companheiros norte-americanos do movimento dos Direitos Civis. O Magalhães Pinto, então ministro das Relações Exteriores, foi preso em Nova York, dentro de uma sala, por várias horas, até concordar em autorizar minha saída do Brasil. Eu devia estar no Canadá em fins de julho, início de agosto, o mais tardar, e só cheguei lá em novembro de 1969.

O senhor chegou a ser preso?
Eu fui preso em 1964.

Quanto tempo o senhor ficou preso?
Fiquei pouco tempo, porque houve um protesto muito grande. Eu escrevi uma carta ao coronel que presidia o Inquérito Policial Militar na Faculdade de Filosofia dizendo que a maior virtude do militar é a disciplina e a do intelectual é o espírito crítico... Publicada pela imprensa, ela causou grande comoção.

O que representou 1968 para o senhor?
Para mim, foi um pouco diferente do que talvez tenha sido para os meus colegas, porque já havia me engajado em atividades abertas de combate ao regime. Eu voltei dos Estados Unidos no início de 1966 e comecei a fazer conferências. Os dois anos seguintes foram de intensa atividade. No fim de 1968, apresentei no Rio um trabalho sobre a reforma universitária consentida, uma resposta violenta à tentativa do governo ditatorial de roubar a nossa bandeira de reformas, pela qual vínhamos lutando desde o início da década. Aquela foi uma das últimas manifestações cívicas contra a ditadura. Na Faculdade de Filosofia, em janeiro de 1969, ainda fiz um apelo aos colegas, dizendo que aquela era a última oportunidade que nós tínhamos de nos manifestarmos contra o regime vigente e em defesa de uma sociedade democrática. Aí se estabeleceu um debate na Congregação e descobri com tristeza que o setor de esquerda havia recuado. Prevaleceu na Congregação uma atitude de recolhimento, de autoproteção.

Acho que 1968 foi o auge da luta contra a ditadura. Foi o momento no qual surgiram os melhores trabalhos produzidos pela esquerda. Havia a revista Teoria e Prática e debates em vários grupos. Existia uma preocupação muito grande em ligar o combate à ditadura a processos que poderiam começar com bandeiras democráticas e levar a transformações radicais. Foi um ano em que o ardor cívico da população poderia ter sido trabalhado pela esquerda.

A luta guerrilheira, o desdobramento imediato deste período, foi inevitável diante da radicalização da direita, diante da falta de opções da militância?
Em 1962, aconteceram as primeiras manifestações repressivas. No interior de jornais, de empresas, elementos de esquerda foram sendo expurgados e em 1964 houve o golpe de Estado. A direita foi ganhando força gradativamente e, depois do golpe, ninguém a ameaçava. Por isso, acredito que a radicalização da direita era um jogo para açular os seus adversários e ampliar a reação conservadora. O governo ditatorial aproveitou a existência da guerrilha para intensificar a repressão e, ao mesmo tempo, "legitimar" a violência.

Como foram para o senhor os anos 70 e o começo dos anos 80?
Em 1969 fui para o exterior, onde desenvolvi uma campanha contra a ditadura. Fazia conferências em toda parte: no Canadá, Estados Unidos, Alemanha etc. Não levei muito tempo para descobrir que a maioria das sociedades norte-americana, canadense, européia, estava muito encantada com a ditadura militar, porque ela aparentemente mantinha a democracia com eleições, Parlamento funcionando etc., e estava unida aos civis "mais responsáveis" na defesa da ordem e da expansão do capitalismo no Brasil. Vi que era ilusão perder tempo lá. Porque eu podia falar de guerrilha em uma universidade, de fascismo em outra, falar contra o regime militar, mas tudo isso era muito limitado. Na verdade, eu não tinha muita probabilidade de exercer influência em qualquer movimento social, e resolvi voltar em fins de 1972. Em 1973 e 1974 não atuei muito, o espaço estava fechado. Foi a esquerda católica que me deu maior chance de manifestação. Fiquei praticamente aprisionado em minha casa, revendo coisas que tinha escrito. Retomei o livro A revolução burguesa no Brasil, que tinha posto de lado, e fiz conferências para padres e para a juventude católica de esquerda. Também contribuí para a elaboração das revistas Debate e Crítica e Argumento, logo inviabilizadas pela repressão policial. Em 1975 e 1976 dei dois ciclos de conferências no Sedes Sapientiae. No final de 1977, fui contratado como professor da PUC/SP. Eu não tinha um conhecimento muito profundo do que estava acontecendo entre os ativistas, cujo setor mais dinâmico era a esquerda católica. Quiseram me convidar para participar deste movimento, mas respondi que isto não era correto nem para mim, nem para eles — não sou católico, sou marxista, e eles eram revolucionários, mas não marxistas. Eu disse: "O melhor é nós cooperarmos; continuo a colaborar do jeito que estou colaborando e posso aumentar a minha contribuição."

E o surgimento do movimento operário e do PT?
Em vários setores da sociedade foram surgindo manifestações de repúdio ao regime. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), por exemplo, eram bastante combativas — não abertamente, mas usando como expediente a crítica do funcionamento das instituições. Muitos falavam na necessidade de restaurar a democracia, uma bandeira com a qual eu não convivia bem, porque, para mim, nunca houve democracia no país. Dos movimentos que tiveram maior significação é preciso dar relevo ao do operariado, que, em 1978, com a grande greve dos metalúrgicos do ABC, desferiu o primeiro golpe sério contra a ditadura. O novo sindicato que se formou a partir desta ruptura desatrelou-se do governo e dos dirigentes pelegos e procurou unir os demais sindicatos em uma frente de luta contra o capital, contra o governo. Nessa luta, os operários descobriram a sua força e a sua fraqueza — a necessidade do braço partidário. O sindicato precisa de um partido, assim como precisa de um sistema que organize as manifestações operárias nas bases. Nesse contexto é que surge o Partido dos Trabalhadores. Desde o início, senti uma grande simpatia pelo pt. Mas, ao mesmo tempo, tinha medo de entrar para o partido, porque o arco que ia desde movimentos de comunidades de base sem conotação política, de caráter humanitário, passando por um núcleo social-democrático que tinha servido e serve para fortalecer a reforma do capitalismo, até socialistas democráticos e comunistas e socialistas revolucionários, esse imenso arco me assustava. Eu preferia uma concentração mais nítida de valores políticos operários, dentro de uma tradição que teria de ser anarquista ou marxista. Como o anarquismo não tem condições de derrubar uma sociedade capitalista organizada, a única alternativa para mim era a marxista. Então, fiquei numa posição ambígua, com uma grande simpatia pelo pt, uma grande admiração pelo Lula, mas não me decidia a entrar. Até que o Lula marcou um encontro no Sindicato dos Metalúrgicos. A Annez Andraus Troiano foi comigo. O Lula, nesse encontro, teve altos e baixos. Houve um momento em que ele quis usar a superioridade natural do operário diante do intelectual marxista, e perguntou: "Bom, afinal, você é nosso aliado ou inimigo?" E eu respondi: "Isso não pega comigo, porque eu tenho origem inferior à sua. Comecei a trabalhar com 6 anos. Para mim, um operário tanto pode aderir a um movimento fascista como a um movimento socialista, ou ficar indiferente. Eu não sou obrerista e não me ajoelho diante do deus operário. Para eu entrar no pt, quero que ele defina seu programa, esclarecendo melhor quais as opções que envolvem a sua presença como núcleo político da classe trabalhadora."Aí ele viu que a conversa não tinha saída. Passei a ser contribuinte e simpatizante do pt, mas sofria uma forte pressão dos estudantes que achavam que havia uma incongruência entre a minha posição política anterior e o fato de eu não ser militante do pt. Eu respondia que podia servir o pt dentro ou fora dele. Aí houve a morte daquele célebre revolucionário, o Gregório Bezerra. Eu tinha lido a sua bela autobiografia, que desmente as teses do Partido Comunista de impraticabilidade de um levante operário. Ele mostra a facilidade com que a massa camponesa se mobiliza. Escrevi um artigo sobre Gregório Bezerra e mandei para a Folha de S. Paulo. A Folha publicou e o impacto do artigo foi tremendo, no Brasil inteiro... A homenagem ao Bezerra comoveu a todos. A partir de então comecei a colaborar na Folha. Por intermédio da Folha, exercia uma atividade política confinada, pois não podia fazer um trabalho ideológico. Esses artigos estreitaram minhas relações com muitos militantes do pt. No Brasil inteiro havia petistas lendo os artigos, se comunicando comigo, me aplaudindo e me entusiasmando. Os laços foram se estreitando e eu fui sendo empurrado para o pt por essas pressões morais. O Antonio Candido, que é uma pessoa a qual eu dedico uma amizade profunda, uma espécie de irmão, pertencia ao pt. Vários dos meus amigos e pessoas que eu admirava pertenciam ao pt. Além disso, não via alternativas que se definissem dentro de uma linha mais ortodoxa, mais unificada. Porque eu continuava a ver a pluralidade de correntes como um fenômeno negativo. Até que com o curso que dei sobre a Revolução Cubana e a análise que fiz do caso chileno compreendi que na América Latina a fraqueza das classes subalternas acaba criando a necessidade de partidos que são frentes ideológicas e políticas que unem tendências diferentes. Um dia, em 1986, na saída da aula da USP, meu filho me disse que o Lula queria falar comigo. Ele me levou ao Diretório Nacional e o Lula estava lá, junto com o José Dirceu e mais algumas pessoas, e perguntou se eu queria ser candidato a deputado federal constituinte. Eu respondi: "Não sou político profissional, portanto não sei fazer campanha política. Não tenho recursos para financiar uma campanha. Também estou recém-saído do hospital e a campanha vai ser muito desgastante para mim."Apesar disso, ele insistiu. Eu perguntei: "O que o PT oferece para que eu seja candidato? Vocês me dão alguma coisa?" Ele disse: "Nada. Você é que vai dar 30% de tudo o que recolher para o partido." Caí na gargalhada e respondi: "Está bom, assim eu aceito." Preenchemos a ficha de inscrição, saí candidato do partido e fui eleito.

O professor Florestan se transformou no deputado Florestan. Como o senhor vê sua experiência no Congresso?
Na verdade, não me transformei em um deputado. Continuo o mesmo Florestan, exercendo atividades dentro do Parlamento. É claro que, pela minha origem e pela minha formação marxista, tendia a ver o Parlamento como uma instituição altamente conservadora, que buscava resolver os conflitos sociais tendo em vista a defesa da ordem existente. No entanto, há espaço para se exercer tarefas construtivas. A sociedade capitalista tem esta característica: possui uma possibilidade de transformação que não é eliminada pelas iniciativas das classes burguesas. Muito embora o Congresso brasileiro reflita inversamente a nossa sociedade: a minoria rica e poderosa é a maioria parlamentar, e a maioria da nação é representada por uma minoria que só pode conquistar pequenos avanços. Hoje, sem pretender me tornar um político profissional, compreendo que é possível utilizar o Parlamento de uma maneira criativa e inovadora. O pt e outros setores de esquerda tiveram um papel dinâmico na Constituinte. Se nós não estivéssemos lá, as conseqüências teriam sido piores.

Como o senhor analisa a atual situação do Partido dos Trabalhadores?
Como ingressei no partido com uma identidade política definida, como marxista, me sinto à vontade para dizer que, embora não pertença até agora a nenhuma tendência, defendo que o pt deva ser um partido no qual o socialismo marxista tenha uma certa consistência. Não se pode conceber um partido dos trabalhadores que seja meramente reformista, que pretenda realizar tarefas semelhantes às da social-democracia européia. Acho que o pt pode desempenhar um papel importante na consolidação da esquerda.

Como existem várias tendências dentro do partido, ele pode assumir uma posição mais aberta diante de várias questões. É sabido que, quando aceita a representação política dentro da sociedade capitalista, o socialismo perde seu vigor revolucionário. Desenvolve-se uma burocracia partidária, surgem políticos profissionais e ambos se unem para impedir a revolução, porque têm interesse na reprodução da ordem, na medida em que a sobrevivência deles, como burocratas do partido ou políticos profissionais, depende da sobrevivência de partidos que fiquem na órbita da reforma e da transformação do capitalismo. Acho que há uma vantagem nessa multiplicidade de tendências dentro do pt: ela quebra o monolitismo teórico e impede que possa surgir uma oligarquia dentro do partido. É importante que dentro do pt nós lutemos por concepções proletárias de socialismo. No Brasil, não há solução possível sem que a classe trabalhadora se una com o setor mais miserável e espoliado da sociedade. Essa é a função que o pt pode exercer melhor que qualquer outro partido. A questão está em encontrar uma linguagem socialista que permita definir os objetivos finais e os objetivos imediatos de forma que seja aceitável por todos. Porque, se existem várias correntes, existem também expressões ideológicas e políticas em contraste e até em conflito. É preciso impedir que essas diferenças acabem explodindo e destruindo o partido. Mas isso não pode ser feito às custas de seu caráter proletário e revolucionário. No momento em que o pt renegar a sua função de servir de espinha dorsal à luta política dos trabalhadores, deixando de ser um partido de revolução contra a ordem, ele deixará de ter importância para a instauração da democracia com igualdade social no Brasil.

Professor, por ter uma posição independente dentro do partido, o senhor enfrentou alguma dificuldade?
Na primeira eleição não. Encontrei na segunda, devido ao caráter tortuoso que ela tomou em conseqüência das condições imperantes no partido. O partido acabou avançando mais na direção de modelos burgueses do que de modelos propriamente proletários e socialistas.

O que seriam estes modelos burgueses?
Na relação entre candidatos socialistas não deve prevalecer a disputa pelo voto. Dentro do pt, está crescendo uma técnica eleitoral competitiva. O objetivo pessoal de vencer eleitoralmente prepondera sobre a ideologia, a política, a cooperação entre companheiros. O companheirismo deve ser a regra fundamental entre pessoas que participam de tendências socialistas. O individualismo e a própria competição são símbolos fortes da sociedade capitalista. O que deve estar em primeiro lugar é a vitória do pt e não a eleição de determinado candidato. Mas é claro que quando um partido socialista escolhe a via parlamentar ele escolhe também a via eleitoral. E ambas as coisas deterioram um pouco o processo de identificação com o socialismo, porque a pessoa acaba sendo apanhada pelo umbigo por relações de classe burguesas. Para mim é coisa secundária se eu vou ser eleito ou não. Eu não estou concorrendo por mim e para mim. E o processo eleitoral não é o objetivo em si, é um processo político no qual está em jogo a conscientização do estudante, do trabalhador, a identidade socialista. O objetivo é desempenhar tarefas políticas do partido. É lamentável dizer que isto não ocorreu. E isso precisa ocorrer, senão os partidos de esquerda nunca chegarão a nada. Eles ficarão sempre rastejando em segundo plano. Só poderão "ocupar o poder", nunca terão capacidade de "conquistar o poder", e para o socialismo o que importa é a conquista do poder, para que ele possa transformar a sociedade. O partido é um meio para este fim.

O senhor faria tudo de novo?
A capacidade de se atingir certos fins, de realizar certas atividades, não depende só de você, depende de certas condições. Tive uma grande sorte de ter tido oportunidades e de ter sabido aproveitá-las. Quando era menino, vi companheiros que não lograram desenvolver seu potencial, porque morreram ou foram encaminhados para atividades que aprisionam as pessoas. De qualquer maneira, acho que a coisa mais difícil que fiz foi permanecer fiel à minha classe de origem.

* Paulo de Tarso Venceslau é membro do Conselho de Redação de Teoria&Debate.

Fonte principal: http://www.fpabramo.org.br/

sábado, 14 de agosto de 2010

RESUMO AULAS FILOSOFIA: mês Jul.2010

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JULHO.24

FÉRIAS ATÉ 15 de AGOSTO

EPISTEMOLOGIA

Resumo Junho/Julho 2010 /Problema do Conhecimento

Teoria do CONHECIMENTO e/ou Epistemologia
O que é a epistemologia? A resposta é: o ramo da filosofia que se ocupa do conhecimento humano, pelo que também é designada de “teoria do conhecimento”.


A epistemologia, como ramo distinto da filosofia, não esteve muito em evidência antes de John Locke (1632-1704). Assim, quando falamos da epistemologia em suas origens, como em Aristóteles p.ex.; estamos descrevendo apenas os resultados obtidos por ele nesta área, uma vez que ele mesmo nunca usou o termo epistemologia. Isto é óbvio, pelo fato que tanto Aristóteles como os demais filósofos gregos concentraram seus pensamentos mais naquilo que se deve conhecer do que na teoria dos processos de conhecê-lo... Ainda que tenham se ocupado disto.

JHON LOCKE

Filósofo inglês, iniciador do iluminismo) Nasceu em 29 de Agosto de 1632 em Wrington, Inglaterra ; morreu em Oates em 28 de Outubro de 1704. A família de Locke era formada por burgueses, comerciantes. Com a revolução Inglesa de 1648, o pai de Locke alistou-se no exército. Locke estudou inicialmente na Westmuster School. Em 1652 foi para a Universidade de Oxford. Não gostou da filosofia ali ensinada. Manifestou, mais tarde, opiniões contrárias à filosofia de Aristóteles. Julgou o peripatetismo obscuro e cheio de pesquisas sem utilidade. Além de filosofia , estudou medicina e ciências naturais. Recebeu o título de Master of Arts em 1658. Nesse período , leu os autores que o influenciaram: John Owen (1616-1683) que pregava a tolerância religiosa, Descartes (1596-1650) que havia libertado a filosofia da escolástica e Bacon (1561- 1626), de quem aproveitou o método de correção da mente, e a investigação experimental. Interessou-se pelas experiências químicas do também físico Robert Boyle (1627-1691), que inovaram introduzindo o conceito de átomo e elementos químicos. Foi um avanço em relação à alquimia que dominou durante a Idade Média e a concepção de Aristóteles dos quatro elementos. Locke atuou nos campos de medicina, filosofia, política, teologia e anatomia. Não gostava de matemática. Redigiu em Latim, Ensaios sobre a lei da natureza. Já nessa época apresentava gosto pela regra experimental, de onde deriva sua filosofia empirista.

Todo conhecimento encontra suas fontes na FÉ – aqui entendida enquanto CRENÇA. A fonte primordial do conhecimento seria a sensação. É através dos sentidos que os homens primitivos ainda nas cavernas tinham a percepção diante do desconhecido e nela encontravam a motivação para conhecer. Este conhecimento fundado na crença se tornava cada vez mais complexo a medida que era relacionado a outros conhecimentos lentamente construídos pelas diversas fases evolucionistas hominídeas. Ora, essa crença-conhecimento constituíram os conteúdos de conjuntos de conhecimentos como: religiosos, artísticos, mitológicos, senso-comum... ao longo da história humana. A Filosofia e a Ciência vieram justificar a CRENÇA dando a estes conhecimentos pelo crivo da veracidade ou demonstrando suas contradições e não possibilidade de serem verdadeiros.

Aqui entra um componente muito importante: a REALIDADE. O que é a Realidade? Toda vez que nos deparamos com o desconhecido, ainda hoje em pleno século XXI é assim, a nossa primeira atitude é buscar uma explicação na crença. A REALIDADE é aquele fato ou momento histórico que faz parte de minha tomada de consciência. Ele pode ser concreto/físico ou abstrato. O concreto/físico é mais verdadeiro, atinge o todo: por exemplo_ Pierre é meu amigo. Ele é Francês, alto e branco de olhos negros. Um exemplo de abstrato: Os Franceses são de estatura média... Aqui me refiro não a um homem francês, mas faço um juízo universal. Meu objeto aqui é empobrecido. Por exemplo, o "céu" é um lugar que todos os homens desejam. Este conhecimento é abstrato. Primeiro que céu não é uma REALIDADE concreta. Faz parte da CRENÇA. Não é possível que consigamos algo mais sobre o céu que não conjeturações abstratas fundadas na crença. Foi justamente a tentativa de tornar a FÉ Cristã Crível que fez com que a Igreja domesticasse a Filosofia e a colocasse a serviço da Justificação Teológica no período que conhecemos por Idade Média.

Vamos analisar alguns casos:

Caso 1: No ponto de ônibus – ouvindo uma conversa entre duas mulheres: “Comadre minha neta anda descalça o dia todo, correndo de lá para cá, no chão nu, dizem que pega “bicho geográfico” e outras doenças”... Isso é mentira, deve ser lenda, porque minha netinha tem saúde de ferro”. Aqui um exemplo típico de alguém que não dominando conhecimentos científicos impõe à autoridade da crença o conteúdo de sua compreensão sobre um dado concreto de seu cotidiano. Aqui temos o Senso-Comum.

Caso 2: Um bispo em sua homilia se dirigindo aos fiéis: “Deus criou o homem e a mulher para procriarem. Portanto, os casais precisam fugir de todas as formas de pornografia. O sexo é para procriar e o homem que precisa ver a imagem de outras mulheres nuas que não a sua é um fracassado”... Aqui temos um juízo moral fundado no conhecimento religioso cristão.

Caso 3: Um senhora falando sobre a situação de sua mãe: “ Minha mãe com câncer de mama buscou a cura na igreja e Jesus a livrou do câncer, ela estava feliz e digo que: uma verdadeira fanática. Agora o câncer “explodiu” na cabeça e ela encontra-se vegetativa”. Aqui outra vez o conhecimento religioso fundado na crença.

Caso 4: “Meu amigo morreu muito novo, não consigo entender porque Deus o tirou tão novo de nosso meio”. Mais adiante ele lembrava: “Meu amigo fumou a vida inteira...” Aqui a busca de novo de explicações na crença, esqueceu ou tem poucas informações científicas de que todo fumante está fadado a abraçar a morte prematuramente...

Caso 5: Dois jovens eleitores de candidatos diferentes e que estão em primeiro e segundo lugar nas pesquisas. O eleitor do candidato que está em segundo argumenta: “Estas pesquisas estão erradas, quando abrirem as urnas você vai ver... os dois estarão ali empatados “embolados” e a eleição vai pro segundo turno”. E continuaram a discussão, ambos estavam em uma discussão fundada na CRENÇA e possivelmente não possuem a informação de que uma cidade – que é o caso da cidade deles - com pouco mais de 50 mil eleitores, não tem segundo turno.


Na Filosofia, conhecimento fundado na RAZÃO que é comum a todos os homens, Platão em seus diálogos também ocupou-se com o tema Conhecimento. Para ele o primeiro ato do Conhecer tem origem nas Sensações. Ele entendia que a maioria dos mortais ficam neste estágio e que poucos são os que se libertam indo de encontro ao verdadeiro conhecimento. No Teeteto ele esclarece que o conhecimento passa pela sensação, crença-opinião, no entanto o que caracteriza o verdadeiro conhecimento é a razão sobreposta às sensações, crença-opinião. Já Aristóteles desenvolveria suas teorias mais tarde de que o conhecimento verdadeiro é produzido pela capacidade de domínio das causalidades dos eventos e coisas. Agora, veremos algumas noções sobre este ramo da Filosofia que se ocupa exclusivamente da Teoria do Conhecimento.

O conhecimento é a apreensão de qualquer "coisa" por meio do pensamento e a capacidade de tornar presente ao pensamento "aquilo" que se apreendeu.

A teoria do conhecimento, como já vimos, é um ramo filosófico cujo objetivo é a explicação ou interpretação do conhecimento (humano). Aí se analisam questões como: Que é conhecer?, É possível o conhecimento?, etc..

Vamos conferir alguns conceitos relacionados ao termo em questão...

Na obra Teoria do Conhecimento (p. 20), o autor J. Hessen distingue a teoria do conhecimento da lógica, afirmando que, se "a lógica pergunta pela correção formal do pensamento, isto é, pela sua concordância consigo mesmo, pelas suas próprias formas e leis, a teoria do conhecimento pergunta pela verdade do pensamento, isto é, pela sua concordância com o objeto. Portanto, pode definir-se também a teoria do conhecimento como a teoria do pensamento verdadeiro, em oposição à lógica, que seria a teoria do pensamento correcto".

Nessa obra (p. 25-26) observa-se ainda: "Uma exata observação e descrição do objeto devem preceder qualquer explicação e interpretação. É necessário, pois, no nosso caso, observar com rigor e descrever com exatidão aquilo a que chamamos conhecimento, esse peculiar fenômeno da consciência. Fazemo-lo, procurando apreender os traços gerais essenciais deste fenômeno, por meio da auto-reflexão sobre aquilo que vivemos quando falamos do conhecimento. Este método chama-se fenomenológico e é distinto do psicológico. Enquanto que este último investiga os processos psíquicos concretos no seu curso regular e a sua conexão com outros processos, o primeiro aspira a apreender a essência geral no fenômeno concreto".

Em Potenciar a razão, Fernando Savater distingue informação de conhecimento. No livro As Perguntas da Vida (p. 18), distingue 3 níveis de entendimento: a informação ("que nos apresenta os fatos e os mecanismos primários do que acontece"), o conhecimento ("que reflete sobre a informação recebida, hierarquiza a sua importância significativa e procura princípios gerais para a ordenar") e a sabedoria ("que liga o conhecimento com as opções vitais ou valores que podemos escolher, tentando estabelecer como viver melhor de acordo com o que sabemos")

Segundo Kant "o que chamamos conhecimento é uma combinação do que a realidade nos traz com as formas da nossa sensibilidade e as categorias do nosso entendimento. Não podemos captar as coisas em si mesmas mas apenas como as descobrimos através dos nossos sentidos e da inteligência que ordena os dados oferecidos por eles. Isto significa que não conhecemos a realidade pura mas apenas como é o real para nós. O nosso conhecimento é verdadeiro mas não chega senão até onde lhe permitem as nossas faculdades. Daquilo do qual não recebemos a informação suficiente através dos sentidos -- que são os que se encarregam de trazer a matéria-prima do nosso conhecimento -- não podemos saber absolutamente nada, e quando a razão especula no vazio sobre absolutos como Deus, a alma, o Universo, etc., confunde-se em contradições irresolúveis. O pensamento é abstrato, isto é, procede baseando-se em sínteses sucessivas a partir dos nossos dados sensoriais. Sintetizamos todas as cidades que conhecemos para obter o conceito de 'cidade' ou a partir das mil formas imagináveis de sofrimento chegamos a obter a noção de 'dor', reunido os traços intelectualmente relevantes do diverso. À partida, pensar consiste em voltar a descer da síntese mais longínqua aos dados particulares concretos até aos casos individuais e vice-versa sem perder nunca o contacto com o experimentado nem nos limitarmos apenas à esmagadora dispersão das suas circunstâncias particulares." (Fernando Savater - As Perguntas da Vida, p. 58-59).

NOÇÕES sobre a relação entre CONHECIMENTO e Conhecimento Religioso, por Lucio Lopes
Os pensadores do iluminismo e mesmo os teóricos do liberalismo, insistiram longamente no conceito de TOLERÂNCIA. Passados quatro séculos vemos não mais que a intolerância sendo propalada em um embate constante com os "artigos de ouro" produzidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. A ideia central de que o Estado deve ser Laico ainda está longe de se concretizar, especialmente no Brasil. Aqui é que entra a importância do conhecimento enquanto elemento primordial em qualquer transformação histórica. Foi assim a demarcação das fronteiras entre o antes e o pós-período medieval. Pelo conhecimento, mesmo sustentado em meio a dor e ao sangue, heróis da humanidade conquistaram o direito de declararem que a Tolerância é muito melhor que qualquer forma de intolerância.
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Independente da teoria na qual acredite uma pessoa, seja ela a CRIACIONISTA que o Cristianismo contrapõe frente ao Evolucionismo (Teoria biológica segundo a qual todas as espécies vivas derivam umas das outras por transformação natural) sempre haveremos de nos posicionarmos frente às questões suscitadas pelas mesmas.
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Segundo Aristóteles as espécies têm uma forma fixa, imutável. Esta idéia irá dominar até ao século XVIII, quando Lamarck, rompendo com uma visão finalista da natureza, afirma a idéia de uma evolução das espécies. A sua teoria é baseada num pressuposto igualmente contestável cientificamente: a da hereditariedade dos caracteres adquiridos.
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Para explicar a evolução dos seres vivos, Darwin avança o princípio da "seleção natural". ) uma coisa é certa: penso que as de Lamarck e Darwin só enriquecem o ATO Criador do Deus Judeu-Cristão. Penso, que ninguém pode sustentar um “gênero literário” como aquele descrito nas primeiras páginas de Gênesis e nem por isto dizer então que não foi Deus quem criou tudo. Deus é aberto à aventura do CONHECIMENTO e não preso aos DOGMAS das Igrejas Cristãs Sectárias e fundamentalistas.
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Na obra criadora do Deus, judeu-cristão, o Homem recebeu um atenção singular e, lhe foi dado de forma inata, à semelhança de seu Criador, a capacidade de CONHECIMENTO. Ora, é justamente aqui que o Homem se diferencia dos demais seres da natureza. Mas foi este mesmo Conhecimento que produziu os SINAIS de morte em meio a humanidade negando o Projeto de Vida para Todos vislumbrado nas Escrituras, projeto esse que sempre foi um sonho de Deus e que muitas vezes transparecem nas páginas da Bíblia: como p. ex. no Velho Testamento, nas palavras de alguns profetas mais ardorosos e nas primeiras linhas do Livro Atos dos Apóstolos, no Novo Testamento.
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Quando diante deste Livro Sagrado, o primeiro distanciamento que devemos fazer é aquele de que a Bíblia não foi escrita para nós. Nem o Velho e muito menos o Novo Testamento. Foram escritos para comunidades especificas com o intuito de guardar a sabedoria de uma Cultura específica ou seja, daquelas comunidades antigas específicas. Poderíamos dizer que o objetivo era guardar a experiência religiosa destas comunidades - que antes daa escrita passou pela tradição oral.
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O CONHECIMENTO que desde os primeiros sinais de evolução do homem foi provocando disputa por poder - perpetuou este paradigma da história humana adentro. No Velho Testamento deturparam o Projeto de Vida do Criador e em nome Dele impuseram uma infinidade de sinais de morte na vida do Povo. O Nome de Deus que deveria estar a serviço da Vida foi colocado a serviço da morte. Mas no Novo Testamento aquele velho hábito gerado pela cobiça de manutenção do poder continuou presente quando após o evento morte-ressurreição de Jesus os novos cristãos como Paulo, voltou a impor a cultura de seu povo, a moral da sexualidade machista e tantas outras matizes daquela já surrada e carcomida moral judaica...
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A Igreja mais tarde “domesticada” por Constantino com a lorota de neoconvertido e em troca a “graça do poder” aos chefes da Igreja - poder este que teve seu ápice após a queda do Império Romano com a centralização pela Igreja não só do poder sobre o Conhecimento (agora domesticando a Filosofia) mas também dos poderes econômico e político e imposição ferrenha de sua moral, deturparam mais uma vez o Projeto de Vida do Criador centrado na Gratuidade, na Justiça, na Fraternidade e em outras palavras, no Amor, conforme os Evangelhos do Novo Testamento na Bíblia Cristã. Constantino talvez tenha sido na história do cristianismo um dos primeiros a entenderem o quanto ser aliado da religião pode ser “lucrativo” e assim sendo, um dos primeiros a usarem - na prática - aquele clássico chavão marxista “a religião é o ópio do povo”.
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Jesus, o ícone por excelência deste Projeto foi esquecido mais uma vez e em seu nome se “venderam” outras coisas... O Homem que derrubou os paradigmas ultrapassados de sua cultura como o machismo, os tabus, os preconceitos como xenofobia, etc.; ensinou o respeito às crianças, mulheres, idosos, doentes, deficientes especiais - então marginalizados em sua sociedade contemporânea; que buscou dar um basta na relação comercial com Deus imposta pelos chefes de sua religião e que ainda, de quebra, respeitou às demais religiões, etc... enfim, eu poderia dar uma gama enorme de exemplos concretos.
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Pena que o novo "paradigma" do Filho de Deus, Jesus Cristo, foi sendo suplantado ao longo da história humana pela cobiça ao poder e ao dinheiro. Talvez o grupo dos 11 tenha entendido em um primeiro momento - a duro sofrimento imposto pelos ensinamentos e práxis de Jesus - a deixarem de lado seus "projetos de poder" em torno de um MESSIAS poderoso e governante absoluto. Mas os sonhos humanos em torno destes "projetos de poder" na verdade nunca deixaram o coração do homem e assim, ocorreu o ofuscamento da mensagem central do Messias.
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Hoje, em uma sociedade capitalista como a nossa, pautada no imediatismo, nas sensações, consumismo, individualismo, lucrativo - isto é, tornando também tão mais grave a relação "comercial" com Deus - tão mais complexa, uma vez que dele se espera sempre algo em troca; que prefiro deixar para uma outra oportunidade na qual retomarei este tema de suma importância para quem quer realmente viver uma relação autêntica com o Filho do Criador.
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Penso que só seremos capazes disto se tivermos a coragem de romper com esta "Teologia da Retribuição" tão apregoada hoje 24 horas pelas nossas lideranças religiosas, detentoras de inúmeros canais dos mais variados tipos de mídias (e aqui católicos, evangélicos, protestantes históricos, pentecostais...) todos andam de mãos dadas em um contra-testemunho no mínimo questionável, guardadas as devidas excessões - que alimentam uma poderosa e próspera indústria do MILAGRE. Submetendo o Homem ao estado alienante mais deplorável que existe, aquele sustentado em nome do Deus da Vida - do Deus da Cons - Ciência.
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O Estado pseudo-laico é apenas uma teoria. A Religião Cristã continua ditando no Brasil as regras que amarram nossas leis. Temas emergentes e urgentes para a preservação dos Direitos do Homem e da Mulher como aborto ( que proibido no Brasil, é praticado sem o mínimo controle aos milhões/ano), propriedade privada (concentrada nas mãos de poucos em detrimento da maioria), redução da maioridade penal (diante dos pseudos menores a justiça fica de mãos atadas e extrapolam ainda mais a falta de limites para nossa juventude), eutanásia (um direito inalienável do homem para abreviar seu sofrimento), descriminalização das drogas ( hoje nossa polícia fica correndo atrás de pequenos usuários enquanto os traficantes "gente boa" ficam protegidos; direitos das minorias como homossexuais, índios e outros; ficam paralisados diante ainda dos discursos desta hoste de bispos, padres, pastores e outros moralistas... A intolerância é cultuada em nome da moral.

Passagens bíblicas em que Deus requer a posse do conhecimento para que seu povo não seja enganado pelos espertalhões de nossos tempos:

“O Senhor pela SABEDORIA fundou a Terra, pelo entendimento estabeleceu o céu (...) Pelo seu CONHECIMENTO...” PV 3.19,20

“(...) Uma noite revela seu CONHECIMENTO a outra noite”. SL 19.2

“Conheço todas as aves...” SL 50.11

“(...) Conheço minhas ovelhas...” JO 10.1

“Eu conheço todas as coisas...” EZEQ. 11.5

“Conheço os sofrimentos do meu povo”. EX 3.7
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Para terminar, alguns belos pensamentos:

"Se você é capaz de tremer de indignação toda vez que se comete uma injustiça no mundo,
então somos companheiros." (Che Guevara)

"A neve e a tempestade matam as flores, mas nada podem contra as sementes." (Khalil Gibran)

"O dia está na minha frente esperando para ser o que eu quiser. E aqui estou eu, o escultor que pode dar forma..." (Charles Chaplin)

"O homem não teria alcançado o possível, se inúmeras vezes não tivesse tentado o impossível." (Max Weber)


Correntes Filosóficas
VAMOS CONHECER O CETICISMO
Um cético radical pode contrapor que a discussão acerca do conhecimento e da justificação é uma perda de tempo e de energia. Na sua opinião não há nenhuma crença suficientemente justificada para contar como conhecimento. A razão é que ele não está disposto a chamar conhecimento a qualquer proposição que pode ser objeto de dúvida. E está convencido que não há proposições imunes à dúvida.


Escola filosófica fundada pelo grego Pirro (360 a.C.-272 a.C.) que questiona as bases do conhecimento metafísico, científico, moral e, especialmente, religioso. Nega a possibilidade de se conhecer com certeza qualquer verdade e recusa toda afirmação dogmática - aquela que é aceita como verdadeira, sem provas. O termo deriva do verbo grego sképtomai, que significa olhar, observar, investigar.

Para os céticos, uma afirmação para ser provada exige outra, que requer outra, até o infinito. O conhecimento, para eles, é relativo: depende da natureza do sujeito e das condições do objeto por ele estudado. Costumes, leis e opiniões variam segundo a sociedade e o período histórico, tornando impossível chegar a conceitos de real e irreal, de correto e incorreto.

Condições como juventude ou velhice, saúde ou doença, lucidez ou embriaguez influenciam o julgamento e, conseqüentemente, o conhecimento. Por isso, os seguidores de Pirro defendem a suspensão do juízo, o total despojamento e uma postura neutra diante da realidade. Se é impossível conhecer a verdade, tudo se torna indiferente e equilibrado. Para eles, o ideal do sábio é a indiferença. Ainda na Antiguidade, o grego Sexto Empírico (século III?) e os empiristas vêem o ceticismo como um modo de obter o conhecimento pela experiência.

Não excluem a ciência, mas procuram fundamentá-la sobre representações e fenômenos encontrados de modo indiscutível e inevitável na experiência. Esse ceticismo positivo tem papel fundamental no pensamento do escocês David Hume (1711-1776), um dos maiores expoentes da filosofia moderna. Para os empiristas modernos, na impossibilidade de conhecer as coisas em si, o homem se utiliza da crença e do hábito para poder agir. A filosofia contemporânea, inspirada no ceticismo, discute questões da relatividade do conhecimento e dos limites da razão humana.



Montaigne e o CETICISMO
CONTEXTUALIZAÇÃO DO SÉCULO XVI

Michel Eyquem de Montaigne (28 de Fevereiro de 1533, château de Montaigne, no Périgord - 13 de Setembro de 1592, no mesmo lugar), escritor e ensaista francês, considerado por muitos como o inventor do ensaio pessoal.
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"A palavra é a metade de quem a pronuncia, metade de quem escuta".
- (Ensaios, Livro III, Capítulo XIII - "Da experiência")


"Ensinar os homens a morrer é ensiná-los a viver".
- (Ensaios, Livro I, Capítulo XX - "De como filosofar é aprender a morrer")


"Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal; saber morrer nos exime de toda sujeição e coação."
- (Ensaios, Livro I, "De como filosofar é aprender a morrer)


"Cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra."
- (Ensaios, Livro I, "Dos canibais")


"Nunca houve no mundo duas opiniões iguais, nem dois fios de cabelo ou grãos. A qualidade mais universal é a diversidade."
- Et ne feut iamais au monde deux opinions pareilles, non plus que deux poils, ou deux grains : leur plus universelle qualité , c'est la diversité.
- Essais: avec des sommaires analytiques, et les notes de tous les commentateurs; precedes de la preface de Mademoiselle de Gournay et d'un précis de la vie de Montaigne‎ - Página 330, Michel Eyquem de Montaigne, Marie de Jars de Gournay - Tardieu-Denesle, 1828 - 391 páginas


"A covardia é a mãe da crueldade."
- la couardise est mere de la cruauté
- Les Essais: ensemble la vie de l'autheur et 2 tables‎ - Página 509, Michel Eyquem de Montaigne - 1652



Patrick Henry constata que o processo generalizado de secularização, a ascensão da burguesia, o colapso do mundo épico, a erosão da crença no valor literário antigo e a crise da exemplaridade de modo geral estimularam uma atitude anti-mimética, que estaria mais atenta às experiências individuais, do que em fornecer modelos transhistóricos e universais que dessem conta da extensa totalidade da vida. Seria agora a predominância de um espírito da contestação direta ao DOGMATISMO Católico que reinou por tanto tempo na Europa? A época renascentista foi, pois, marcada por uma crise generalizada das formas tradicionais de explicação do mundo. Vale lembrar que o século XVI assistiu a disputa da Reforma acerca do que seria o critério correto para o conhecimento religioso, ou seja, sobre a chamada “regra da fé”. A emergente religião protestante, sobretudo com Martinho Lutero, punha em questão a autoridade tradicional católica e, defendia a consciência individual no que se refere à interpretação das Escrituras.


Mas este século foi também palco da nascente revolução científica e do surgimento de uma nova cosmologia, que viria a substituir o mundo geocêntrico ou mesmo antropocêntrico da astronomia grega e medieval, pelo universo heliocêntrico. Segundo Alexandre Koyré, as transformações científicas e filosóficas postas em cena no século XVI constituem a pré-história do que viria a ocorrer no século seguinte, ou seja, do desaparecimento de uma concepção do mundo como um todo finito, fechado e ordenado hierarquicamente em favor de um universo indefinido e até mesmo infinito, que é mantido coeso pela identidade de seus componentes e leis fundamentais.

Por fim, vale notar, como o fez Danilo Marcondes, que a descoberta do Novo Mundo, cujo marco inaugural é tradicionalmente 1492, também pode ser considerada um dos elementos constitutivos deste contexto histórico de formação do pensamento moderno, uma vez que seu impacto econômico, político e cultural levou a uma profunda transformação do mundo europeu.

O contato com os povos indígenas levantou a questão sobre a universalidade da natureza humana, suscitou vários conflitos de doutrinas, revelou a falta de critérios capazes de fundamentar decisões científicas, morais, políticas e jurídicas, além da necessidade de revisão da própria cultura européia. O desafio ético posto pela descoberta do Novo Mundo está em Montaigne concentrado principalmente nos ensaios Dos Canibais e Dos Coches, onde o autor brinca com os conceitos de civilização e barbárie utilizados pelos europeus na sua distinção em relação aos índios canibais, e os inverte, fazendo assim notar o caráter relativo dos mesmos.

Em suma: O século XVI é, pois, um século que aprendeu a duvidar da autoridade tradicional que os antigos ensinamentos e modelos poderiam exercer em um mundo cada vez mais confrontado com uma inesgotável diversidade. Esta época coincide com a retomada da filosofia cética grega, que passa a ser usada como argumentação para a crítica da crença na soberania da razão e para a afirmação da isosthenéa. Montaigne é talvez o pensador que no século XVI mais fortemente sentiu a influência pirrônica. Mas, para além da importância da leitura das Hipotiposes Pirrônicas, o temperamento cético de Montaigne foi, segundo Zachary Schiffman, estimulado desde a infância. A instabilidade de sua faculdade de julgamento, não raro expressa por Montaigne, teria as suas raízes no hábito adquirido e cultivado no Collège de la Flèche, onde o ensino era principalmente voltado para o desenvolvimento da argumentação in utram que partem, que se baseia na consideração de um mesmo tema a partir de distintos pontos de vista. (SCHIFFMAN, Zachary. Montaigne and the Rise of Skepticism in Early Modern Europe: a Reappraisal) A Apologia a Raymond Sebond é o ensaio cético por excelência de Montaigne, onde ele expressa, da maneira mais “sistemática” possível, a sua inclinação para esta corrente filosófica, ao estabelecer uma série de limites às pretensões de conhecimento racional e supostamente infalível em torno ao mundo natural e moral. A filosofia pirrônica, ao apresentar o homem nu e vazio, faz com que ele reconheça a sua fraqueza natural e o eterno desacordo entre as filosofias. Na Apologia são retomados alguns dos tropos de Enesidemo – presentes nas Hipotiposes Pirrônicas de Sexto Empírico -, que enfatizam os obstáculos enfrentados pelo sujeito no processo de conhecimento dos objetos, enfatizando a impossibilidade daquele ter qualquer comunicação com o ser destes.

Montaigne se dedica, enfim a desmascarar a vanidade da ciência, sacudindo corajosamente os fundamentos precários sobre os quais ela se constrói e ridicularizando a esperança científica depositada na imparcialidade da razão humana que, segundo ele é um instrumento de chumbo e de cera, alongável, dobrável e adaptável a todas as perspectivas e a todas as medidas. (MONTAIGNE, Ensaios, II, 12, p. 349) Os conteúdos racionais não passariam de “resveries” e consistiriam na tentativa de dar a uma determinada crença ou opinião a aparência de verdade. Os sentidos, fundamento de todo o conhecimento humano, também estão sujeitos à instabilidade e à insegurança, pois as alterações do corpo e do espírito influenciam a percepção transmitida pelos sentidos e, portanto, o julgamento humano. A impressão da certeza é, logo, um atestado certo de loucura e de extrema incerteza. (MONTAIGNE, Ensaios, II, 12, p. 312)


O que distingue a posição montaigneana diante dos embates filosóficos é que não há nele nem uma visão pessimista, ou melancólica, nem uma defesa otimista do que estaria por vir. Diante da oposição entre novas e antigas maneiras de explicação do mundo, ele se mostra impassível, já que não há como decidir qual delas seria a portadora da verdade. Isto porque qualquer pressuposição humana e qualquer enunciação tem tanta autoridade quanto outra. (MONTAIGNE, Ensaios, II, 12, p. 312)

A constatação cética da isosthenéa, evidente nesta última citação, faz com que ele considere a disputa em torno destas questões como sendo eterna. Todas as coisas produzidas por nossa própria razão e capacidade, tanto as verdadeiras como as falsas, estão sujeitas a incerteza e a debate. (MONTAIGNE, Ensaios, II, 12, p. 330)

Montaigne foi um pensador extremamente sensível para a percepção da inefável diversidade que caracteriza o estar o ser humano no mundo e que perpassa não apenas o âmbito intelectual, ou das idéias, mas constitui a própria condição humana. Isto porque, segundo o próprio Montaigne, não há qualidade tão universal quanto a diversidade e a variedade. (MONTAIGNE, Ensaios, III, 13, 423)

Tal constatação marca uma aproximação fundamental com a filosofia cética, já que se assemelha ao décimo Modo de Sexto Empírico, ou seja, ao axioma cosmopolita do ceticismo. Além disso, marca também uma postura ética e intelectual profundamente tolerante, já que frente a essa multiplicidade não há para ele princípios ou doutrinas que sejam mais verdadeiras, ou seja, que desfrutem de uma superioridade ontológica. Isto não significa que não haja nos Ensaios defesas de pontos de vista. Ao contrário, a obra de Montaigne é recheada de tomadas de posição, sejam elas em assuntos políticos, ou em religiosos. No entanto, elas não se prentendem universalmente válidas, ou atemporais, mas são conscientemente contextuais e declaradamente pessoais. Afinal, diante da inesgotável diversidade e imprevisibilidade da ação humana, como seria possível escolher um modelo adequado a partir do qual se deve pautar a ação ou o comportamento humano?

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(Crise da exemplaridade, ceticismo e criação ensaística em Michel de Montaigne)
OUTRAS Fontes utilizadas: MARCONDES, Danilo. O impacto do descobrimento do Brasil no pensamento moderno
KOYRE, Alexandre. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito
HENRY, Patrick. The Rise of the Essay: Montaigne and the Novel http://pt.wikiquote.org/wiki/Michel_de_Montaigne

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