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FILOPARANAVAÍ

quinta-feira, 19 de maio de 2011

EDUCAÇÃO: PRECONCEITO COMBATE-SE COM CONHECIMENTO



EDUCAÇÃO
DIREITOS HUMANOS / ÉTICA
Le Monde destaca união gay no Brasil neste dia mundial contra a homofobia
Atualizado em filoparanavai 17.05.2011 às 09h00

por Adriana Brandão da Radio France Internationale
O mundo comemora nesta terça-feira o sétimo dia mundial contra a homofobia. A data, festejada em mais de 70 países, celebra a retirada da homossexualidade da lista de doenças mentais em 17 de maio de 1990. O jornal Le Monde que chegou às bancas na tarde desta terça-feira faz um exaustivo balanço das conquistas e da persistência das discriminações contra os homossexuais em vários países do mundo. O reconhecimento da união homossexual pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil é apontado como um avanço importante pelo jornal francês.
O artigo de Le Monde explica que o tribunal brasileiro reconheceu um “quase casamento gay”. O maior país católico do mundo concede aos casais homossexuais os mesmos direitos que os heterossexuais em união estável. A decisão, por unanimidade, é memorável, escreve o jornal.

Mas, ressalta o artigo, o casamento homossexual continua sendo ilegal no Brasil. A Constituição brasileira, de 1998, reconhece como entidade familiar a união estável entre um homem e uma mulher. Segundo o Le Monde, os juízes do STF fizeram uma interpretação liberal da Constituição, ao afirmar que “a definição de família do texto constitucional não é exaustiva e que outros tipos de família merecem a proteção do Estado”.

O Supremo afina a justiça à sociedade brasileira elogia o Le Monde, e “ocupa o lugar do poder legislativo do país, pouco corajoso e dividido”. O artigo lembra que desde 1996, cerca de 20 projetos de lei em defesa dos direitos dos homossexuais foram apresentados no Congresso em Brasília, mas eles foram sistematicamente barrados pelos grupos evangélicos e católicos da casa.

Apesar do avanço da decisão do STF, a modificação da Constituição e o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, como em outros países latino-americanos, parecem impossíveis, pelo menos a curto-prazo. Le Monde alerta inclusive para o fato de que o país detém o recorde mundial de assassinatos de gays. Em 2010, 260 homossexuais foram assassinados no Brasil, registrando uma alta de 31% em relação a 2009.






Minha reação ante a morte de Osama
publicado em filoparanavai 13/05/2011 às 09h00
Por Noam Chomsky

Fonte Guernica Magazine (via Cubadebate e Vermelho, em 09/5/2011)
Poderiamos perguntar a nós mesmo como reagiríamos se um comando iraquiano pousasse de surpresa na mansão de George W. Bush, o assassinasse e, em seguida, atirasse seu corpo no Oceano Atlântico.

Fica cada vez fica mais evidente que a operação foi um assassinato planejado, violando de múltiplas maneiras normas elementares de direito internacional. Aparentemente não fizeram nenhuma tentativa de aprisionar a vítima desarmada, o que presumivelmente 80 soldados poderiam ter feito sem trabalho, já que virtualmente não enfrentaram nenhuma oposição, exceto, como afirmara, a da esposa de Osama bin Laden, que se atirou contra eles.

Em sociedades que professam um certo respeito pela lei, os suspeitos são detidos e passam por um processo justo. Sublinho a palavra "suspeitos". Em abril de 2002, o chefe do FBI, Robert Mueller, informou à mídia que, depois da investigação mais intensiva da história, o FBI só podia dizer que "acreditava" que a conspiração foi tramada no Afeganistão, embora tenha sido implementada nos Emirados Árabes Unidos e na Alemanha.

O que apenas acreditavam em abril de 2002, obviamente sabiam 8 meses antes, quando Washington desdenhou ofertas tentadoras dos talibãs (não sabemos a que ponto eram sérias, pois foram descartadas instantâneamente) de extraditar a Bin Laden se lhes mostrassem alguma prova, que, como logo soubemos, Washington não tinha. Por tanto, Obama simplesmente mentiu quando disse sua declaração da Casa Branca, que "rapidamente soubemos que os ataques de 11 de setembro de 2001 foram realizados pela al-Qaida.

Desde então não revelaram mais nada sério. Falaram muito da "confissão" de Bin Laden, mas isso soa mais como se eu confessasse que venci a Maratona de Bosto. Bin Laden alardeou um feito que considerava uma grande vitória.

Também há muita discussão sobre a cólera de Washington contra o Paquistão, por este não ter entregado Bin Laden, embora seguramente elementos das forças militares e de segurança estavam informados de sua presença em Abbottabad. Fala-se menos da cólera do Paquistão por ter tido seu território invadido pelos Estados Unidos para realizarem um assassinato político.

O fervor antiestadunidense já é muito forte no Paquistão, e esse evento certamente o exarcebaria. A decisão de lançar o corpo ao mar já provoca, previsivelmente, cólera e ceticismo em grande parte do mundo muçulmano.

Poderiamos perguntar como reagiriamos se uns comandos iraquianos aterrizassem na mansão de George W. Bush, o assassinassem e lançassem seu corpo no Atlântico. Sem deixar dúvidas, seus crimes excederam em muito os que Bin Laden cometeu, e não é um "suspeito", mas sim, indiscutivelmente, o sujeito que "tomou as decisões", quem deu as ordens de cometer o "supremo crime internacional, que difere só de outros crimes de guerra porque contém em si o mal acumulado do conjunto" (citando o Tribunal de Nuremberg), pelo qual foram enforcados os criminosos nazistas: os centenas de milhares de mortos, milhões de refugiados, destruição de grande parte do país, o encarniçado conflito sectário que agora se propagou pelo resto da região.

Há também mais coisas a dizer sobre Bosch (Orlando Bosch, o terrorista que explodiu um avião cubano), que acaba de morrer pacificamente na Flórica, e sobre a "doutrina Bush", de que as sociedades que recebem e protegem terroristas são tão culpadas como os próprios terroristas, e que é preciso tratá-las da mesma maneira. Parece que ninguém se deu conta de que Bush estava, ao pronunciar aquilo, conclamando a invadirem, destruirem os Estados Unidos e assassinarem seu presidente criminoso.

O mesmo passa com o nome: Operação Gerônimo. A mentalidade imperial está tão arraigada, em toda a sociedade ocidental, que parece que ninguém percebe que estão glorificando Bin Laden, ao identificá-lo com a valorosa resistência frente aos invasores genocidas.

É como batizar nossas armas assassinas com os nomes das vítimas de nossos crimes: Apache, Tomahawk (nomes de tribos indígenas dos Estados Unidos). Seria algo parecido à Luftwaffe dar nomes a seus caças como "Judeu", ou "Cigano".

Há muito mais a dizer, mas os fatos mais óbvios e elementares, inclusive, deveriam nos dar mais o que pensar.

*Noam Chomsky é professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofía del MIT, professor de linguística e filosofia no Massachusetts Institute of Technology (MIT), é também um ativista político incansável em suas manifestações contra o capitalismo americano. É autor de numerosas obras políticas. Seus últimos livros são uma nova edição de "Power and Terror", "The Essential Chomsky" (editado por Anthony Arnove), uma coletânea de seus trabalhos sobre política e linguagem, desde os anos 1950 até hoje, "Gaza in Crisis", com Ilan Pappé, e "Hopes and Prospects", também disponível em áudio.

Fonte: Cubadebate

Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil
MAIO é o mês dedicado ao combate da HOMOFOBIA. Conhecimento científico e filosófico são duas armas acertadas para esta tarefa. PRECONCEITO é sinônimo de ignorância, especialmente em nosso atual contexto histórico. Para produzirmos argumentações filosóficamente válidas é necessário fundamentação teórica e para isso retomamos, com a ahuda do texto abaixo, de VENTURI, alguns elementos de uma pesquisa - que apesar de elaborada em 2009 - ainda continua atual e pode nos oferecer muitas luzes para nossa reflexão.

Intolerância e respeito às diferenças sexuais
Apresentação
Por Gustavo Venturi*

“Deus fez o homem e a mulher [com sexos diferentes] para que cumpram seu papel e tenham filhos”
(frase popular, anônima, que tem a concordância de 11 em cada 12 brasileiros/as)

No final de janeiro de 2009 foi apresentada no Fórum Social Mundial, em Belém, a primeira parte da pesquisa intitulada Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, Intolerância e respeito às diferenças sexuais – uma realização da Fundação Perseu Abramo, em parceria com a alemã Rosa Luxemburg Stiftung.

Com dados coletados em junho de 2008(1), a pesquisa percorreu processo de elaboração semelhante ao de estudos anteriores do NOP(2), tendo sido convidados pela FPA para definir quais seriam as prioridades a investigar, entidades e pesquisadores dedicados ao combate e ao estudo da estigmatização e da discriminação dos indivíduos e grupos com identidades ou comportamentos sexuais que não correspondem aos preceitos da heteronormatividade dominante – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT).

Com o intuito de subsidiar ações para que as políticas públicas avancem em direção à eliminação da discriminação e do preconceito contra as populações LGBT, de forma a diminuir as violações de seus direitos e a promover o respeito à diversidade sexual, buscou-se investigar as percepções (indicadores subjetivos) sobre o fenômeno de práticas sociais discriminatórias em razão da orientação sexual e da identidade de gênero das pessoas, bem como manifestações diretas e indiretas de atitudes preconceituosas. A pesquisa cobriu assim um amplo espectro de temas, de modo que o relato que segue constitui uma leitura – entre muitas que certamente os dados obtidos permitem – sobre parte dos resultados que parecem mais relevantes.

O preconceito dos outros, o assumido e o velado

Indagados sobre a existência ou não de preconceito contra as pessoas LGBT no Brasil, quase a totalidade das pessoas entrevistadas respondeu afirmativamente: acreditam que existe preconceito contra travestis 93% (para 73% muito, para 16% um pouco), contra transexuais 91% (respectivamente 71% e 17%), contra gays 92% (70% e 18%), contra lésbicas 92% (69% e 20%) e, tão freqüente, mas um pouco menos intenso, 90% acham que no Brasil há preconceito contra bissexuais (para 64% muito, para 22% um pouco). Mas perguntados se são preconceituosos, apenas 29% admitiram ter preconceito contra travestis (e só 12% muito), 28% contra transexuais (11% muito), 27% contra lésbicas e bissexuais (10% muito para ambos) e 26% contra gays (9% muito).

O fenômeno de atribuir os preconceitos aos outros sem reconhecer o próprio é comum e esperado, posto que a atitude preconceituosa, considerada politicamente incorreta, tende a ser socialmente condenável. Assim, além do preconceito assumido, de antemão buscou-se cercar o preconceito velado, recorrendo-se a três tipos de questões. Primeiro, antes de falar em sexualidades ou em discriminação, através de um bloco de perguntas voltadas para captar a aversão a pessoas ou grupos sociais considerados ‘diferentes’, ‘estranhos’, ‘que não gostamos de encontrar’, que ‘podem nos fazer sentir antipatia por elas, às vezes até ódio’. Mais à frente, aferindo o grau de concordância ou discordância com frases “que costumam ser ditas sobre os homossexuais – coisas que algumas pessoas acreditam e outras não”. E, finalmente, testando a reação das pessoas entrevistadas a situações reais ou hipotéticas, de proximidade e contato social com gays e lésbicas: no espaço de trabalho, na vizinhança, em amizades, com médico ou médica em um tratamento, com o professor ou professora de filhos pequenos e na hipótese de que o próprio filho ou filha fosse homossexual.

Ao todo essas questões somaram 22 perguntas (26 variáveis), tendo-se atribuído às respostas de cada qual os valores zero, um ou dois – onde zero expressava não preconceito e dois a alternativa de resposta mais preconceituosa a cada pergunta. Por exemplo, diante da frase “a homossexualidade é uma doença que precisa ser tratada”, à concordância total atribuiu-se dois pontos, à discordância total zero ponto e às alternativas intermediárias (concordo em parte ou discordo em parte) um ponto. Ou ainda, “se soubesse que sua melhor amiga é lésbica” romperia a amizade recebeu dois pontos, não gostaria mas procuraria aceitar recebeu um ponto e não se importaria ou ficaria contente zero ponto.

Do total da amostra, 6% dos entrevistados (que por suas respostas somaram mais de 2/3 dos pontos possíveis) foram classificados como tendo forte preconceito contra LGBTs; 39% como portadores de um preconceito mediano (somaram entre 1/3 e 2/3 dos pontos) e 54% manifestaram um grau de preconceito que foi classificado como leve (ficaram abaixo de 1/3 da pontuação possível). A leitura negativa é que apenas 1% não expressou qualquer nível de preconceito.

A medição da homofobia e a comparação de preconceitos

Em que pese a tentação sensacionalista de ‘denúncia’ a partir da constatação de que 99% da população brasileira têm algum grau de preconceito contra LGBTs (na verdade um resultado ambivalente, já que também potencialmente paralisante), é importante cautela na leitura dos dados para não forçá-los a dizerem o que não sustentam. Antes de mais nada, como todo achado em pesquisa social, esse percentual é a expressão não de uma realidade objetiva, mas um dado construído. Outras perguntas, frases ou outras situações de proximidade com homossexuais que fossem sugeridas, ou ainda outra forma de classificar e pontuar as respostas obtidas poderiam levar a uma taxa global de preconceito diferente – com certeza a outra distribuição das frequências na escala de preconceitos leve, mediano e forte.

Por sua vez, é evidente que uma medida de preconceito assim construída, pontuando como preconceituosas não apenas as respostas extremas, mas também respostas intermediárias – por exemplo, quem disse ter ‘antipatia’ por travestis (mas não ‘ódio ou repulsa’), ou ainda que não gostaria mas procuraria aceitar vizinhos homossexuais (em vez de não aceitaria e mudaria de casa) – não pode ser lida como sinônimo de medida da homofobia. Uma análise mais apurada dos dados colhidos (ainda a ser feita) certamente permitirá que se chegue a uma estimativa aproximada de quantos são os homofóbicos no país – os 6% que disseram espontaneamente no início da entrevista não gostar de ver ou de encontrar L, G, B ou Ts, antes mesmo que a temática da diversidade sexual fosse aventada, ou os que são totalmente contra a união conjugal homossexual, são candidatos a compor esse contingente. É provável que quase todos os já classificados como portadores de forte preconceito também integrem tal grupo.

Mas para o combate à homofobia desde já interessa distinguir valores e comportamentos discriminatórios de valores e atitudes meramente que, embora preconceituosos, não exprimam claramente apoio a discriminações, alguns até com tendência à tolerância – de forma a que se possa identificar o perfil e o espaço social de seus respectivos adeptos (conscientes ou não), com vistas à elaboração de políticas públicas focadas. Tomar os 99% preconceituosos como indistintamente homofóbicos é tecnicamente incorreto, do ponto de vista da construção desse dado, e politicamente ineficiente, do ponto de vista da intervenção no problema.

A despeito dessas observações, os resultados encontrados nesta investigação chamam atenção quando comparados com os de estudos recentes semelhantes. O diagnóstico de que a sociedade brasileira é preconceituosa contra diferentes grupos parece variar pouco: na pesquisa Idosos no Brasil, em 2006, 85% dos não idosos (16 a 59 anos) tinham afirmado que no Brasil há preconceito contra os mais velhos; na pesquisa Discriminação racial e preconceito de cor no Brasil, em 2003, 90% reconheciam que há racismo e 87% afirmavam que os brancos têm preconceito contra os negros; e agora, como vimos, cerca de 92% admitem que há preconceito contra LGBT no Brasil.

Mas tratando-se de preconceito assumido e velado o quadro comparativo é outro: se em 2006 apenas 4% dos não idosos admitiam ser preconceituosos em relação aos idosos, e se em 2003 também apenas 4% dos de cor não preta assumiam ser preconceituosos em relação aos negros (taxa que era de 10% em pesquisa do Datafolha, em 1995), agora encontramos em média 27% declarando ter preconceito contra LGBTT – sendo que 23% admitem ter preconceito contra os cinco grupos simultaneamente e 32% contra pelo menos um dos cinco. E com metodologia muito parecida, inclusive com perguntas análogas – por exemplo, como reagiria “se sua filha ou filho casasse com um/a negra/o”, feita para os de cor não preta – e ainda com algoritmo semelhante para montagem de umauma escala de preconceito racial velado, 74% manifestaram em algum grau de preconceito racial, em 2003 (87% em 1995), contra os 99% de preconceito potencialmente homofóbico, achados agora.

Isso significa que há mais preconceito contra LGBT que contra negros ou idosos no Brasil? Pode ser que sim, ou que não, mas não necessariamente. Ou talvez que as formas que o preconceito contra LGBT adquire são piores que as do preconceito racial ou etário, em termos de violência e outras expressões de discriminação? Tão pouco os dados permitem afirmar, negar ou buscaram investigar isso. Na verdade, essa ‘disputa’ é falaciosa, a começar pelo fato de que as identidades em jogo estão, para milhares de pessoas, indissoluvelmente entrecruzadas (pensemos em negras lésbicas idosas). Importa é não perder de vista que na investigação da opinião pública estamos sempre no campo nebuloso das percepções, e que, no terreno moral dos temas em pauta, a ‘realidade’ encontra-se ainda menos acessível, mediada pela disposição a confissões.

Ora, se é esse o limite desses materiais, é preciso aprofundar a análise de modo a compreender o fato - este sim, claramente sustentável pelos dados - de o
preconceito contra a população LGBT ser mais facilmente admitido que, por exemplo, o preconceito racial. Quatro hipóteses, não necessariamente excludentes, parecem concorrer para explicar esse contraste. Primeiro, tomando o dado em sua ‘literalidade’ (como em geral convém, até prova em contrário), a maior admissão de preconceito contra LGBT seria expressão de um preconceito efetivamente mais arraigado, mais assimilado e ainda pouco criticado socialmente. A alta disseminação de piadas sobre ‘bichas’, ‘veados’ ou ‘sapatonas’, por exemplo, e a presença cotidiana de personagens caricaturais em novelas e programas na TV, considerados humorísticos, seriam a um só tempo evidências dessa tolerância social e dispositivos de seu reforço e reprodução.

A segunda hipótese é que a maior admissão de preconceito contra LGBT tem a ver com a explicação da ‘natureza’ da orientação sexual, para muitos vista como uma opção ou preferência – em contraste com as identidades ‘raciais’ ou etárias que, de modo mais evidente, independem das escolhas individuais, sendo assim não sujeitas à crítica (como opções) e, conseqüentemente, mais condenável discriminá-las. De fato, 31% discordam (25% totalmente) que “ser homossexual não é uma escolha, mas uma tendência ou destino que já nasce com a pessoa”, e 18% concordam apenas em parte (só 37% concordam totalmente). Ora, é plausível supor que quem acredita que ser homo ou bissexual é uma escolha, possa considerar essa ‘opção’ um erro, passível de crítica, de gozação e de outras formas de punição (discriminações).

É sintomático a esse respeito que, diante de duas alternativas, se “os governos deveriam ter a obrigação de combater a discriminação contra homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais”, ou se “isso é um problema que as pessoas têm de resolver entre elas”, 70% concordem com a segunda alternativa, contra apenas 24% que entendem que o combate contra a discriminação da população LGBT deve ser objeto de políticas de governo. Em contraste, em 2003, 36% avaliaram que “os governos deveriam ter a obrigação de combater o racismo e a discriminação racial”, contra ‘apenas’ 49% que consideraram que “isso é um problema que as pessoas têm de resolver entre elas, sem a interferência do governo”.

Um terceiro fator, em parte derivado do primeiro, decorrente do ainda baixo nível de autocrítica social da cultura sexual machista e heteronormativa no país, é a ausência de uma legislação a punir criminalmente atos homofóbicos e transfóbicos. Nesse sentido, enquanto o PL 122 (ou lei semelhante), hoje parado no Senado, não for promulgado e enquanto não ocorrerem eventuais condenações exemplares por crimes de ofensa ou discriminação de pessoas por sua orientação sexual ou identidade de gênero, é pequena a chance que se reverta de forma expressiva ou que se acelere a reversão (provavelmente já em curso) no processo de reprodução de preconceitos de natureza homofóbica.

Por fim, há o peso legitimador dos discursos religiosos (especialmente cristãos, tratando-se de Brasil, e ainda particularmente católico, em que pese o crescimento recente acentuado das igrejas evangélicas) no reforço de concepções preconceituosas da homossexualidade: a concordância de 92% da opinião pública (sendo 84% totalmente) com a frase epígrafe, “Deus fez o homem e a mulher com sexos diferentes para que cumpram seu papel e tenham filhos”, contra apenas 5% que discordam; e de 66% (58% totalmente) com a frase “homossexualidade é um pecado contra as leis de Deus”, contra 22% que discordam (só 17% totalmente) – revelam o tamanho da colaboração religiosa para a intolerância com a diversidade sexual.

Em suma, a pesquisa dá números ao que já se suspeitava: por trás da imagem de liberalidade que o senso comum atribui ao povo brasileiro, particularmente em questões comportamentais e de sexualidade, há graus de intolerância com a diversidade sexual bastante elevados – coerentes, na verdade, com a provável liderança internacional do Brasil em crimes homofóbicos. O que indica que há muito por fazer, em termos de políticas públicas, para tornar realidade o nome do programa da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, criado 2004, Brasil sem Homofobia – ele mesmo, segundo a pesquisa, conhecido por apenas 10% da população (2% dizem conhecê-lo de fato e 8% já ouviram falar).

Outros temas foram abordados, inclusive de políticas contra a discriminação LGBT para as áreas de educação, saúde, emprego, justiça, cultura e direitos humanos, os quais comentaremos em breve. E até fim de março aqui estará disponível também a segunda parte do estudo, com 400 entrevistas com gays e lésbicas, residentes em nove regiões metropolitanas do país, com dados inéditos de percepção e vivências de discriminação.

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*Gustavo Venturi, doutor em Ciência Política e mestre em Sociologia pela USP, é professor de sociologia da FFLCH-USP.
Notas:
(1) Colaboraram Rita Dias e Vilma Bokany, analistas do Núcleo de Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo.

Levantamento quantitativo (survey) com amostragem probabilística nos primeiros estágios (sorteio de municípios, setores censitários e domicílios) e controle de cotas de sexo e idade (IBGE) para a seleção dos indivíduos (estágio final). Total de 2.014 entrevistas com população acima dos 15 anos de idade (todas as classes sociais), disper sa nas áreas urbanas de 150 municípios (pequenos, médios e grandes), em 25 UFs, nas cinco macrorregiões do país (Sudeste, Nordeste, Sul, Norte e Centro-Oeste). Abordagem domiciliar, com aplicação de questionários estruturados (versões A e B, aplicados a duas sub amostras espelhadas), somando 92 perguntas distintas (cerca de 250 variáveis), com duração média das entrevistas em torno de uma hora. Margens de erro de até ± 3 pontos percentuais, com intervalo de confiança de 95%. Coleta dos dados entre 7 e 22 de junho de 2008.

(2) Idosos no Brasil, Desafios e Expectativas na Terceira Idade (2006, em parceria com os Sesc-SP e Nacional), Perfil da Juventude Brasileira (2003, em parceira com o Instituto Cidadania), Discriminação Racial e Preconceito de Cor no Brasil (2003, em parceira com a Rosa Luxemburg Stiftung) e A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado (2001).


Cidadania
ÉTICA / DIREITOS HUMANOS / Estado de DIREITO DEMOCRÁTICO/ Estado LAICO
Casal homoafetivo precisa apresentar apenas RG e CPF para registrar união estável
Escritura pública, homologada em um tabelionato de notas, e instrumento particular, realizado em um cartório de títulos e documentos, possuem o mesmo valor
Atualizado em filoparanavai em 10.05.2011 07h49

O registro de uma união estável por um casal homoafetivo pode ser realizado em tabeliões de notas ou em cartórios de títulos e documentos. Segundo a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR), basta apresentar documento de identidade e de Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) para homologar a escritura pública ou o instrumento particular que efetive a situação de pessoas que já vivem juntas.

Em Curitiba (PR), nesta segunda-feira (9), o presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, e o consultor David Harrad registraram a união estável, mantida há 21 anos. A declaração foi homologada em cartório. Reis tem 46 anos e Harrad, 53. O evento (foto) tem um caráter simbólico importante porque ocorre menos de uma semana depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter garantido que os direitos de uma união estável vale também para casais homoafetivos.

Toni Reis (à esq.) e David, que vivem juntos há 21 anos, fizeram uma declaração de união estável em cartório na capital paranaense nesta segunda-feira (©Foto: Luiz Costa/La Imagem/Fotoarena/Folhapress)
Após a decisão do STF, a associação recomendou aos cartórios que adotassem prontamente a determinação. Segundo o presidente da Anoreg-BR, Rogério Bacellar, um casal disposto a registrar a união não será impedido, independentemente da cidade do país. "Não existe por que não conseguir, a escritura pública vale, não é um casamento", diferencia.

Na prática, um casal formado por um homem e uma mulher procura um cartório de registro civil para se casar. No caso da união estável – homoafetiva ou não –, o procedimento é diferente e não constitui um casamento civil. Uma vez registrados, tanto a escritura pública, homologada em um tabelionato de notas, quanto um instrumento particular, realizado em um cartório de títulos e documentos, possuem o mesmo valor de confirmar a união.

"Se as pessoas forem tentar se casar no registro civil, não vão conseguir, porque não existe legislação nem a possibilidade de casamento de pessoas do mesmo sexo previsto no Código Civil", insiste Bacellar. Ele explica que a decisão do STF muda apenas a compreensão dos tribunais do país em casos que envolvem esse tipo de união. Algumas varas já entendiam que instrumentos particulares ou escrituras públicas tinham valor para garantir direitos característicos a uma união estável, mas outras não.

Segundo a associação de cartórios, basta apresentar um documento de identificação e o CPF. Como identidade, vale o RG, certidão de nascimento e até certidão de casamento com averbação de divórcio. O documento é, então, redigido no cartório pelo escrivão conforme a intenção dos membros da união.
FONTE: http://www.redebrasilatual.com.br/

BRASIL Estado Laico de VERDADE

"As partes que se manifestaram contra a aprovação da união estável homoafetiva, como o advogado Hugo Cysneiros, falando em nome da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), demonstraram preconceito “chocante”. “Os discursos foram muito cheios de ódio. Achava que haveria pessoas mais embasadas, não tão cheias de preconceito”, afirmou em entrevista à Rede Brasil Atual".

Cidadania
Ética
Direitos Humanos
Com decisão unânime, STF reconhece união homoafetiva
Todos os ministros acompanharam o relator; resultado final foi de dez votos favoráveis e nenhum contrário
Atualizado em filoparanavai 17h30 05.05.2011

Na retomada do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a extensão de direitos a uniões homoafetivas no país, nesta quinta-feira (5), todos os ministros acompanharam o voto do relator, Ayres Britto. Com isso, foram dez votos pela procedência das ações que reconhecem como família a união entre pessoas do mesmo sexo. O ministro Dias Toffoli declarou-se impedido por ter dado pareceres positivos quando era advogado-geral da União. No encerramento da sessão, às 20h30, o presidente do STF, Cezar Peluso, destacou a posição unânime da Corte contra todas as formas de discriminação.

O ministro Luiz Fux foi o primeiro a se pronunciar. Ele seguiu a consideração feita na quarta (4) por Ayres Britto e julgou procedentes a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. "A união homoafetiva é um fato, e já há normação para que os parceiros figurem como união estável. Daremos a ele mais que um projeto de vida, daremos um projeto de felicidade", afirmou Fux.

A ministra Carmen Lúcia também votou a favor das ações propostas pela Procuradoria-Geral da República – reconhecendo casais homoafetivos como entidades familiares – e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), para que funcionários públicos homossexuais possam estender seus benefícios aos parceiros. Com a posição do STF, a mesma decisão será aplicada em outros tribunais (efeito vinculante). "De pronto, digo que decido a favor da consideração do ministro Ayres Britto. Enfatizo que se ponha em discusão a covardia dos atos contrários a toda forma de direitos, inclusive a essa minoria", disse a ministra.

A união estável dos homoafetivos ganhou mais dois votos favoráveis. O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que "dos fatos nascem o direito". Antes do intervalo, o ministro Joaquim Barbosa também se posicionou pela procedência das ações.

O julgamento foi retomado com o voto do ministro Gilmar Mendes. Embora com restrições quanto à fundamentação, acompanhou "em linhas gerais" o relator. "A nossa omissão representaria um agravamento no quadro de desproteção de minorias discriminadas."

A ministra Ellen Gracie, antes de fundamentar seu voto, adiantou que também acompanhará o relator. "Uma sociedade decente não humilha seus integrantes", declarou.

Em seguida, o Marco Aurélio confirmou voto também favorável. "O Brasil está vencendo a guerra desumana contra o preconceito", declarou, no início de seu pronunciamento.

O ministro Celso de Mello, penúltimo a votar, também enfatizou a importância da decisão. "Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado dos seus direitos, nem sofrer qualquer restrição de ordem jurídica, por motivo de sua orientação sexual", afirmou. "O julgamento que hoje se realiza certamente marcará a vida deste país."


Para a comunidade LGBT, sociedade vive um momento histórico
Atualizado em filoparanavai 05.05.2011 19h00
"A votação que favorece a união estável entre casais homoafetivos é um momento histórico para a cidadania e a conquista da igualdade no Brasil", afirmou o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), que acompanhou a votação do Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir o reconhecimento como família da união entre pessoas do mesmo sexo.

De forma unânime, o STF votou a favor das ações que reconhecem como família a união de pessoas do mesmo sexo. Os pedidos apresentados pelo governo do Rio de Janeiro e pela Procuradoria Geral da República querem dar fim a uma série de restrições atualmente aplicadas à comunidade LGBT. Todos os dez ministros votaram a favor da extensão dos direitos a casais homoafetivos de união estável – Dias Toffoli declarou-se impedido por já ter se manifestado favoravelmente ao tema quando era advogado-geral da União.

O presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (ABLGT), Tony Reis, também definiu a votação do STF como uma conquista da cidadania. "É um momento de muito alegria de perceber que a justiça esta sendo feita. Isso pra gente nos dá uma segurança juridica como cidadãos. Ninguém está saindo com vitória ou derrota. É o Brasil que ganha", destacou.
Para Jean Wyllys, a conquista só estará completa quando a Constituição brasileira reconhecer o casamento civil entre os casais homoafetivos. Wyllys afirma que, com esta decisão, o legislativo será mais pressionado a votar os projetos de lei que estendem ainda mais os direitos aos homossexuais.

"Hoje é uma data histórica, mas a vitória só será plena quando o Estado reconhecer a união civil entre os homossexuais", pontuou o deputado.

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, comemorou a votação do STF em frase divulgada em seu twitter. "Estamos em um momento histórico. O STF acaba de reconhecer a legitimidade da união entre pessoas do mesmo sexo. Vitória da cidadania!", enfatizou.
Fonte: redebrasilatual.com.br

ATUALIZAÇÕES / MAIO DE 2011 - CIÊNCIA E SAÚDE
500 mil novos casos de câncer só em 2011





MENOS COMUM EM HOMENS, CÃNCER DE MAMA MASCULINO TEM A MARCA DO PRECONCEITO E POR CONSEQUÊNCIA FALTA DE PREVENÇÃO
Para cada 100 casos de câncer de mama em mulheres, existe um em homem. Embora seja bem mais raro entre o sexo masculino, a doença é um risco para pacientes menos preocupados com a qualidade de vida e histórico familiar. O maior motivo de detecção da doença em estágio avançado é o preconceito e a falta de conscientização sobre a importância da realização dos exames de rotina. A demora no diagnóstico também dificulta o tratamento do câncer de mama em homens. A princípio, o que parece um caroçinho pequeno pode ser interpretado por médicos como um caso de ginecomastia, ouseja, crescimento benigno das mamas. O principal sintoma do câncer de mama no homem é o aparecimento de nódulo indolor na região da auréola, (bico do peito), onde o tecido mamário se concentra, podendo provocar coceira e irritação.

Geralmente o tumor é percebido pelo próprio paciente ou sua parceira. Junto com o aparecimento do nódulo, é comum haver queixas de descarga mamilar e sinais de disseminação local como retração do mamilo e ulcerações.
A incidência do câncer de mama é maior em homens acima dos 35 anos de idade e o risco aumenta com o avanço da idade. O surgimento da doença está relacionado a fatores de risco recorrentes nas mulheres como: histórico familiar correspondente aos pais, irmã ou filha, surgimento de alguma tumoração pré-maligna no passado, excesso de peso e dieta rica em gorduras.

Como em ambos os sexos, a obesidade está ligada ao estrogênio, já que as células gordurosas produzem este hormônio. Por isso, é bom controlar o peso. O consumo reduzido de calorias pode aumentar as enzimas antioxidantes, prevenir a formação de compostos pré-cancerígenos e melhorar a capacidade de reparação das células sadias. É bom lembrar que o diagnóstico de câncer de mama no homem não pode ser excluído por qualquer achado isolado na história do paciente. As formas mais eficazes para detecção precoce do câncer de mama são o auto-exame mensal das mamas, o exame clínico (a partir dos 40 anos) e a mamografia (em caso de suspeita).
ALERTA: O Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima que o Brasil deve registrar 500 mil novos casos de câncer só este ano. O dado indica leve aumento em relação à previsão feita em 2010 — de 489 mil casos —, informou O Estado de S.Paulo (5/2). O aumento na ocorrência de casos no Brasil passou a ser registrado, mais recentemente, por causa do envelhecimento da população e dos avanços no tratamento de doenças infecciosas, antigas causas mais frequentes de morte.

De acordo com o jornal, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, durante evento que marcou o Dia Mundial do Câncer (4/2), na sede do Inca, anunciou que vem negociando com a indústria farmacêutica para reduzir o custo de medicamentos voltados para o tratamento da doença. Outra medida que vem sendo levada à frente é a criação de um programa nacional para avaliação da qualidade dos exames de mamografia, como informou o jornal Folha de S.Paulo (05/02). A intenção do governo é ampliar na rede pública o acesso ao tratamento do câncer e intensificar o controle de qualidade de exames preventivos, com o objetivo de impedir erros de diagnóstico.

Cerca de 400 organizações de 120 países se mobilizaram para que sejam adotadas estratégias de prevenção contra o câncer e outros males crônicos não transmissíveis, como diabetes e problemas cardiovasculares e respiratórios, de acordo com o Correio Braziliense (5/2). Ao lado do câncer, elas consomem mais de 70% dos gastos com atendimento e tratamento do SUS. Em setembro, está prevista apresentação, pelo governo, na Assembleia Geral da ONU, de agenda estratégica de ações para reduzir o número de casos e o impacto do câncer e outras doenças crônicas no sistema público de saúde. O tema foi incluído na pauta do evento por decisão das Nações Unidas. “Queremos incentivar a vida saudável e o hábito de fazer exames de prevenção para conter os números”, explicou ao Correio Braziliense o coordenador de ações estratégicas do Inca, Cláudio Noronha. Tumores nas mamas, fígado, pulmão e região colorretal são responsáveis pela maioria das mortes. A recomendação para se precaver é ficar longe do tabaco, prevenir-se contra infecções crônicas por vírus (como o da Hepatite B e o HPV) e evitar o sobrepeso com alimentação equilibrada, completou o jornal Extra (5/2).

Mulheres no mercado de trabalho

O sexo feminino ainda está em desigualdade de condições em relação ao masculino, no mercado de trabalho. Dados do Sistema de Indicadores do programa Rio Como Vamos (RCV), referentes ao Rio de Janeiro e divulgados por ocasião do Dia Internacional da Mulher (8 de março), mostraram que, no emprego formal, em 2009, o salário médio das trabalhadoras era 13,2% inferior ao dos homens (R$1.871 contra R$2.156), informou o jornal O Globo (28/02). A cidade encerrou 2009 com 2,2 milhões de pessoas empregadas, das quais 59,4% eram homens e 40,6%, mulheres, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS/MTE). Nos cargos de direção, elas representavam 38%. Dos 888,5 mil trabalhadores que tiveram suas carteiras assinadas, em 2010, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged/MTE), os de sexo feminino foram minoria, mais uma vez: 37%. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE) de 2009 mostra que, quando chefes de família, as mulheres gastam 21,2 horas semanais nos trabalhos da casa. Como companheiras do chefe da família, as horas sobem para 23,31. Já os homens passam apenas 5,63 horas semanais em serviços da casa. “O mercado de trabalho mudou com a entrada maciça das mulheres, mas a organização da vida privada, não. Aí reside a maior desigualdade entre homens e mulheres.”, disse a presidente do Rio Como Vamos, Rosiska Darcy de Oliveira.

Mapa genético da Hepatite C

Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) estão fazendo um mapa genético da hepatite C, de modo a lidar com a grande variação genética do vírus causador da doença. Assim como o HIV, da aids, o vírus da hepatite C (VHC ou HCV, na sigla em inglês) tem alta taxa de mutação, dando origem a cepas que escapam do sistema imunológico. Esta é uma das causas da falha do tratamento antiviral. O estudo, inédito, poderá ajudar a aumentar a chance de cura da doença, informou O Globo (11/02). A ideia de investigar a história evolutiva do VHC no Brasil surgiu de pesquisas semelhantes às desenvolvidas com o HIV e pela disponibilidade de grande número de sequências da VHC obtidas pelo Laboratório de Hepatites Virais do IOC, como explica a cientista Elisabeth Lampe, uma das autoras. Sequências genéticas de 231 amostras de casos isolados da doença nas cidades do Rio de Janeiro e Goiânia, entre 1995 e 2007, foram analisadas, com a colaboração do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC. Entre os 2 milhões de brasileiros infectados, prevalecem os subtipos 1a, 1b e 3a (dos seis grandes genótipos), conforme mostram estudos. “As características das linhagens brasileiras do HCV apresentam diferenças entre si, quando comparadas com as que circulam em outros países”, explica Elisabeth. Essas características ajudam a entender melhor a disseminação da doença e a buscar novas estratégias de prevenção e tratamento. “É importante estimar a história evolutiva da infecção por HCV para prever o futuro impacto da doença, principalmente das formas mais graves como a cirrose e o câncer hepático, já que o lapso entre a infecção e o desenvolvimento das sequelas é de várias décadas”, alertou. Estudos semelhantes aos da Fiocruz comprovam que o vírus da Hepatite C circula na África e na Ásia há pelo menos 1.100 anos, tendo sido isolado em 1989. Só entre 1980 e 1995, houve redução do crescimento das taxas de infecção. No Brasil, a doença se espalhou após a segunda metade do século 20.

Número de obesos dobrou
O mundo tem meio bilhão de pessoas obesas, duas vezes mais do que há trinta anos, concluiu pesquisa publicada (3/2) no jornal científico Lancet. Realizada pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e pelo Imperial College London, na Inglaterra, com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Fundação Bill e Melinda Gates, a pesquisa trabalhou dados colhidos em 199 países e territórios entre 1980 e 2008, informou a Folha de S.Paulo (4/2). Os Estados Unidos aparecem como líderes da tendência ao crescimento, e China e Brasil destacam-se pelo elevado número de pessoas acima do peso. Há 31 anos, 4,8% dos homens e 7,9% das mulheres tinham índice de massa corporal (calculado a partir do peso e da altura) acima de 30, o que configura obesidade. Há três anos, 9,8% dos homens e 13,8% das mulheres tinham passado dessa marca. Mais de um adulto, em cada dez, está obeso. “A obesidade envolve consumo alimentar, muito ligado à emoção e estilo de vida. Não há pílula mágica para tratar isso”, observou endocrinologista Bruno Geloneze, coordenador do laboratório de metabolismo e diabetes da Unicamp, em entrevista ao jornal. O médico atribui o quadro não só aos hábitos alimentares, como aos processos de urbanização e automatização, que reduzem o gasto energético. “Sua bisavó, quando tomava suco, espremia a laranja. Hoje, é só abrir a geladeira”.

Lei Maria da Penha I

Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base em informações dos tribunais de estados brasileiros concluiu que a Lei Maria da Penha contabiliza resultados positivos crescentes, desde que entrou em vigor, em agosto de 2006, informa o jornal O Globo (13/3). No período, pelo menos 70.574 mulheres conseguiram, na Justiça, medidas de proteção para sair da situação de risco, e pelo menos 76.743 sentenças definitivas estão em processo por agressão a mulheres. Nos estados, tramitam 332.216 processos nas 44 varas e juizados especializados, o que representa 87,2% dos 107.597 processos relacionados à violência contra a mulher, segundo o Tribunal de Justiça. A maior estrutura do país está no Rio de Janeiro com 93.843 processos em sete juizados especiais. A juíza Morgana Richa, coordenadora do grupo do CNJ que monitora a aplicação da Lei Maria da Penha defende que o assunto seja também tratado por varas especializadas. “A violência configura um cenário mais complexo do que a agressão. Tem o problema da recorrência, da dependência afetiva, dos vínculos familiares. Daí a importância de a matéria ser tratada não só por sentença”, afirma.

Lei Maria da Penha II

Um juiz da comarca de Rio Pardo, a 150 quilômetros de Porto Alegre (RS), decidiu aplicar a Lei Maria da Penha a uma relação homossexual e concedeu medida de proteção a um homem que afirmou estar sendo ameaçado pelo ex-companheiro, informou o site Último Segundo (25/02). O caso aconteceu quando, segundo o juiz, depois de terminar há dois meses um relacionamento de um ano, a vítima passou a ser perseguida e ameaçada pelo ex-companheiro que chegou a agredi-lo. Ele pediu proteção à Justiça que obrigou o agressor a manter uma distância de, no mínimo, 100 metros do ex-companheiro. O juiz observou que a Lei Maria da Penha tem como objetivo a proteção das mulheres contra a violência doméstica, mas qualquer pessoa em situação vulnerável pode ser beneficiada (Radis 92). A lei já foi aplicada em relações homossexuais entre mulheres e também em relações heterossexuais quando o homem é vítima de violência.

Escassez de água no país

O Brasil pode enfrentar problemas de abastecimento de água, segundo diagnóstico inédito da Agência Nacional das Águas (ANA), no documento Atlas Brasil, divulgado em 22/3. De acordo com o relatório, se o país não investir R$ 22,2 bilhões em sistemas de captação e coleta de água, até 2015, pode faltar água em 3.059 municípios do país, o equivalente a 55% do total, informou O Globo (22/3). Especialistas da ANA observam que a ameaça pode prejudicar os investimentos para a organização da Copa do Mundo, em 2014, e para os Jogos Olímpicos, em 2016.

Segundo o estudo, os municípios que correm o risco de desabastecimento até o ano de 2015 representam nada menos que 73% da demanda de água do país inteiro. O estudo mostra que, embora o país detenha hoje 12% da água doce do planeta, ainda é preciso levá-la a todos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o abastecimento de água não chega a 21,5% das casas brasileiras, ou 12,4 milhões de residências.

Norte e Nordeste são as regiões com a maior necessidade de recursos em sistemas produtores de água (mais de 59% das cidades). No Norte, onde a população é menor, mas a infraestrutura hídrica é deficiente, os pequenos sistemas de abastecimento são precários. No Sudeste, os maiores problemas estão relacionados à forte concentração urbana e à complexidade dos sistemas de abastecimento, o que acaba provocando disputas pelas mesmas fontes hídricas. A região detém 51% da capacidade instalada de produção de água do país, seguida da Nordeste (21%), Sul (15%), Norte (7%) e Centro-Oeste (6%). A maior parcela dos investimentos previstos no Atlas Brasil (R$ 16,5 bilhões ou 74% do total) deve ser destinada a 2.076 municípios de Sudeste e Nordeste, em função do maior número de aglomerados urbanos e da existência do Semiárido. São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, juntos, reúnem aproximadamente 51% dos investimentos, em apenas 730 cidades.

Dengue: tipo 4 em circulação

O Ministério da Saúde divulgou nota, tratando da preocupação quanto à circulação do tipo 4 do vírus causador da dengue. O DEN-4 não é mais agressivo que os demais, mas preocupa pelo fato de grande parte da população não estar imune a ele, uma vez que ficou sem circular no país por 28 anos, informou O Globo (24/3). “A previsão é que a ausência de imunidade, associada à ocorrência de epidemias anteriores por outros sorotipos virais, aumenta a possibilidade de ocorrência de casos graves de dengue”, informou o Ministério da Saúde, na nota. Desde o iniciio do ano, segundo nota do ministério, foram confirmados pacientes com DEN-4 Roraima (34), Amazonas (24 casos), Pará (11), Bahia (2), Pernambuco (2) e Piauí (1). No Rio de Janeiro, a chegada do vírus tipo 4 foi confirmada em 23/3, com dois casos registrados em Niterói. O ministério só considera confirmados casos que tenham passado por análise no Instituto Evandro Chagas. Foi anunciado, no entanto, pela Secretaria de Estado de São Paulo, a presença do vírus 4 em território paulista (Portal G1, 4/4). Foram confirmados dez casos em São José do Rio Preto e arredores (Agência Brasil, 12/4).Os sintomas são os mesmos, nas infecções por todos os tipos do vírus: dores de cabeça, no corpo, nas articulações e atrás dos olhos, febre, diarreia e vômito. Pessoas que já tiveram dengue dos tipos 1, 2 ou 3 podem pegar e desenvolvera dengue 4 de forma grave. O governo federal orientou as secretarias estaduais e municipais de Saúde que tiveram casos suspeitos a reforçar as ações de controle ao mosquito Aedes aegypti.

Para o chefe do Laboratório de Virologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Celso Granato, apesar de o número de casos de pacientes com dengue 4 ser pequeno, há motivo para preocupação. “O número é pequeno, mas pelo visto ele está se disseminando. E a gente tem todas as condições de a doença se espalhar, porque temos muitos mosquitos e muita gente suscetível”, disse a O Globo (24/3). No Rio de Janeiro, a previsão é se enfrentar, no próximo verão, a pior epidemia da doença, uma vez que toda a população está suscetível. “Com o fim do verão, a tendência é que os casos de dengue diminuam. Mas ainda há muitos mosquitos. Com a chegada do vírus 4, temos todos os ingredientes para uma grande epidemia”, alertou o infectologista Edmilson Migowski, em entrevista ao jornal.

HPV em homens

Um dos maiores estudos já realizados sobre a incidência do HPV (papiloma vírus humano) no sexo masculino, publicado em março pelo jornal científico americano The Lancet, comprovou que metade dos homens saudáveis está infectada com o vírus. Em período de quatro anos, foram ouvidos 4.074 homens de 18 a 70 anos no Brasil, Estados Unidos e México, informou a Folha de S. Paulo (1º/3). Dos 50% com HPV, 30% tinham a versão do vírus que pode levar ao câncer, 38% tinham o não cancerígeno e o restante tinha mais de um tipo. Na avaliação de Luisa Villa, do Instituto Ludwig e responsável pelo estudo no Brasil, a taxa entre os homens é considerada alta, principalmente, se comparada às mulheres, cuja taxa média de contaminação é 14%. A pesquisa constatou ainda que o risco de adquirir o vírus é constante entre homens de 18 a 70 anos. Já com as mulheres, o risco é maior até os 25 anos e tende a diminuir com o tempo.

Uso de preservativo, circuncisão e vacina contra a doença são os métodos de prevenção mais eficazes. Estudo publicado no New England Journal e realizado em mais de 18 países, incluindo o Brasil, mostrou que a vacina contra o HPV pode ser eficaz também nos homens. A aplicação na população masculina só foi aprovada em alguns países, como Estados Unidos, Panamá, Equador e Austrália. No Brasil, são usados dois tipos de vacina contra o vírus, apenas em mulheres.

Transplante inédito de artéria

O Hospital São Paulo, da Unifesp, realizou pela primeira vez no Brasil, em janeiro, um transplante de artéria retirada de doador morto. A cirurgia foi feita em Hamilton Bispo da Conceição, 56 anos, que, devido a má circulação em sua artéria femoral estava a ponto de ter parte da perna direita amputada. Mal conseguia andar e sentia fortes dores, informou o jornal O Globo (2/3).

O experimento — realizado pela equipe de cirurgia vascular da Escola Paulista de Medicina da universidade — busca melhorar a qualidade de vida de pessoas que sofrem de arteriosclerose. O problema leva a cem mil amputações por ano no Brasil. A técnica já vem sendo praticada em outros países, como Estados Unidos, mas é de difícil aplicação, devido à dificuldade de se conseguirem doadores e ao risco de trombose e dilatação.

No Brasil, teve bons resultados: depois de uma semana, Hamilton caminhava melhor e não sentia dores. O líder da equipe, José Carlos Baptista, explicou (Extra, 2/3) que artérias preservadas, retiradas de doador morto, podem ser boa opção, mas o transplante é medida de exceção, quando não há alternativa. Mesmo que Hamilton sofra trombose, a chance de perder parte da perna é menor. “O transplante ajuda a criar uma circulação colateral, mantendo o membro funcionando em boas condições”.

Novo tratamento para doença de Chagas

Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) descobriram novo tratamento para a doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi (Portal G1, 30/3). O tratamento baseia-se na conclusão de que as lesões decorrentes da doença não são necessariamente causadas pelo protozoário, mas pelo próprio sistema imunológico do hospedeiro — processo conhecido como autoimunidade. Ao longo de anos de estudos, os pesquisadores observaram que o micro-organismo causa mutações genéticas nas células do hospedeiro, fazendo com que o sistema imunológico produza linfócitos — células de defesa — defeituosos, que atacam o coração e podem levar à morte. Assim, eliminar o protozoário não seria suficiente para eliminar a doença. As medidas sugeridas foram, então, matar os linfócitos e fazer um transplante de medula óssea, dois tratamentos já existentes e dos quais se pode lançar mão. Se o coração já estiver danificado, o transplante também é solução. A tese foi comprovada em testes feitos em galinhas — animais imunes ao T. cruzi — que desenvolveram problemas cardíacos semelhantes aos causados pela doença de Chagas após mutação genética induzida. A pesquisa foi publicada na revista PLoS Neglected Tropical Diseases.

Medicamento para transplantados na Fiocruz

A Fiocruz assinou acordo (30/3) com a multinacional Roche, permitindo à instituição produzir o medicamento micofenolato de mofetila, indicado contra a rejeição de órgãos transplantados, principalmente, rins. Ainda este ano, a Fiocruz começa a produzir o medicamento, disponibilizando ao SUS nove milhões de comprimidos. A partir de 2012, a instituição produzirá 20 milhões de comprimidos por ano. A parceria com a empresa farmacêutica prevê também intercâmbio científico para o desenvolvimento de novos tratamentos e transferência de tecnologia para a produção de medicamentos contra câncer, doenças neurológicas e virais.

Segundo a Agência Fiocruz de Notícias (31/3), a parceria com a Roche permitirá reduzir o preço do medicamento praticado com o Ministério da Saúde durante o período de transferência de tecnologia, de R$ 1,87 para R$ 1,67, e à Fiocruz, o domínio de todas as fases do processo, incluindo a produção do insumo farmacêutico ativo (IFA). Para o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, a iniciativa é mais uma aposta no fortalecimento da política nacional de pesquisa e desenvolvimento, além de oportunidade para outras parcerias. “Essa capacidade de diálogo e intercâmbio tecnológico e científico é fundamental para o país e para gerar benefícios para a população e, seguramente, será usada em futuros acordos do tipo”, ressaltou Gadelha, para quem o acordo contribui especialmente para reduzir o déficit comercial brasileiro na área da saúde.


Padrão brasileiro para peso de recém-nascidos

Pesquisadores da Coppe/UFRJ, do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) coletaram informações sobre os oito milhões de brasileiros nascidos entre 2003 e 2008 e chegaram ao padrão brasileiro de peso normal para recém-nascidos. O dado, até então não estabelecido no país, é informação fundamental para avaliar riscos de diversas doenças, que, se não forem diagnosticadas desde cedo, podem deixar sequelas, divulgou o jornal O Globo (25/3). Variabilidades genéticas serviram como base para a formação da tabela de peso, produzindo nove faixas de dados para cada sexo. Um menino com idade gestacional de 40 semanas, por exemplo, teria peso normal entre 2,556 e 4,366 quilos. Já entre meninas da mesma idade, o peso oscilaria entre 2,492 e 4,168 quilos. Apesar dessas definições, ainda é questionável se o conceito de peso normal sofreria variações em cada região do país. “Fizemos uma pesquisa com dados que os brasileiros são obrigados a fornecer ao SUS, mas gostaríamos de nos aprofundar para obter outras conclusões”, explicou o professor de Engenharia Elétrica da Coppe e um dos idealizadores do projeto, Carlos Pedreira.

As tabelas usadas por médicos para acompanhar o crescimento antes da descoberta do padrão brasileiro eram importadas de outros países. Em junho, a revista da Academia Brasileira de Ciências publicará a nova tabela que avalia o peso dos nascidos a partir da 22ª semana de gestação.
FONTE: http://www4.ensp.fiocruz.br/radis/

filoparanavai 2011

quinta-feira, 12 de maio de 2011

ÉTICA / Direitos Humanos implica em Lutas e Conquistas da Sociedade - TEORIA e PRÁXIS

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ÉTICA / FILOSOFIA MORAL / DIREITOS HUMANOS
Conforme abordagem temática disponível no site www.fpabramo.org.br/ a decisão do STF sobre casamentos entre homossexuais atende ao anseio de 97% dos gays e lésbicas e de grande parcela da sociedade brasileira. Na pesquisa "Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, Intolerância e respeito às diferenças sexuais", que a Fundação Perseu Abramo realizou em 2009 em parceria com a alemã Rosa Luxemburg Stiftung, o desrespeito aos direitos civis foi apontado como um dos principais entraves para garantir plena cidadania a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Disponibilizamos aqui uma análise desta pesquisa de 2009 para adquirirmos maior conhecimento sobre esta temática, neste mês de maio, quando somos convidados a fazermos uma profunda reflexão sobre a Homofobia e buscar através do Conhecimento e de ações intervencionistas, combater este mal social e cultural a partir de suas raízes.

Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil
Intolerância e respeito às diferenças sexuais
Apresentação
Por Gustavo Venturi* Atualizado em filoparanavai em 12.05.2011 às 9h00

“Deus fez o homem e a mulher [com sexos diferentes] para que cumpram seu papel e tenham filhos”
(frase popular, anônima, que tem a concordância de 11 em cada 12 brasileiros/as)

No final de janeiro de 2009 foi apresentada no Fórum Social Mundial, em Belém, a primeira parte da pesquisa intitulada Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, Intolerância e respeito às diferenças sexuais – uma realização da Fundação Perseu Abramo, em parceria com a alemã Rosa Luxemburg Stiftung.

Com dados coletados em junho de 2008(1), a pesquisa percorreu processo de elaboração semelhante ao de estudos anteriores do NOP(2), tendo sido convidados pela FPA para definir quais seriam as prioridades a investigar, entidades e pesquisadores dedicados ao combate e ao estudo da estigmatização e da discriminação dos indivíduos e grupos com identidades ou comportamentos sexuais que não correspondem aos preceitos da heteronormatividade dominante – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT).

Com o intuito de subsidiar ações para que as políticas públicas avancem em direção à eliminação da discriminação e do preconceito contra as populações LGBT, de forma a diminuir as violações de seus direitos e a promover o respeito à diversidade sexual, buscou-se investigar as percepções (indicadores subjetivos) sobre o fenômeno de práticas sociais discriminatórias em razão da orientação sexual e da identidade de gênero das pessoas, bem como manifestações diretas e indiretas de atitudes preconceituosas. A pesquisa cobriu assim um amplo espectro de temas, de modo que o relato que segue constitui uma leitura – entre muitas que certamente os dados obtidos permitem – sobre parte dos resultados que parecem mais relevantes.

O preconceito dos outros, o assumido e o velado

Indagados sobre a existência ou não de preconceito contra as pessoas LGBT no Brasil, quase a totalidade das pessoas entrevistadas respondeu afirmativamente: acreditam que existe preconceito contra travestis 93% (para 73% muito, para 16% um pouco), contra transexuais 91% (respectivamente 71% e 17%), contra gays 92% (70% e 18%), contra lésbicas 92% (69% e 20%) e, tão freqüente, mas um pouco menos intenso, 90% acham que no Brasil há preconceito contra bissexuais (para 64% muito, para 22% um pouco). Mas perguntados se são preconceituosos, apenas 29% admitiram ter preconceito contra travestis (e só 12% muito), 28% contra transexuais (11% muito), 27% contra lésbicas e bissexuais (10% muito para ambos) e 26% contra gays (9% muito).

O fenômeno de atribuir os preconceitos aos outros sem reconhecer o próprio é comum e esperado, posto que a atitude preconceituosa, considerada politicamente incorreta, tende a ser socialmente condenável. Assim, além do preconceito assumido, de antemão buscou-se cercar o preconceito velado, recorrendo-se a três tipos de questões. Primeiro, antes de falar em sexualidades ou em discriminação, através de um bloco de perguntas voltadas para captar a aversão a pessoas ou grupos sociais considerados ‘diferentes’, ‘estranhos’, ‘que não gostamos de encontrar’, que ‘podem nos fazer sentir antipatia por elas, às vezes até ódio’. Mais à frente, aferindo o grau de concordância ou discordância com frases “que costumam ser ditas sobre os homossexuais – coisas que algumas pessoas acreditam e outras não”. E, finalmente, testando a reação das pessoas entrevistadas a situações reais ou hipotéticas, de proximidade e contato social com gays e lésbicas: no espaço de trabalho, na vizinhança, em amizades, com médico ou médica em um tratamento, com o professor ou professora de filhos pequenos e na hipótese de que o próprio filho ou filha fosse homossexual.

Ao todo essas questões somaram 22 perguntas (26 variáveis), tendo-se atribuído às respostas de cada qual os valores zero, um ou dois – onde zero expressava não preconceito e dois a alternativa de resposta mais preconceituosa a cada pergunta. Por exemplo, diante da frase “a homossexualidade é uma doença que precisa ser tratada”, à concordância total atribuiu-se dois pontos, à discordância total zero ponto e às alternativas intermediárias (concordo em parte ou discordo em parte) um ponto. Ou ainda, “se soubesse que sua melhor amiga é lésbica” romperia a amizade recebeu dois pontos, não gostaria mas procuraria aceitar recebeu um ponto e não se importaria ou ficaria contente zero ponto.

Do total da amostra, 6% dos entrevistados (que por suas respostas somaram mais de 2/3 dos pontos possíveis) foram classificados como tendo forte preconceito contra LGBTs; 39% como portadores de um preconceito mediano (somaram entre 1/3 e 2/3 dos pontos) e 54% manifestaram um grau de preconceito que foi classificado como leve (ficaram abaixo de 1/3 da pontuação possível). A leitura negativa é que apenas 1% não expressou qualquer nível de preconceito.

A medição da homofobia e a comparação de preconceitos

Em que pese a tentação sensacionalista de ‘denúncia’ a partir da constatação de que 99% da população brasileira têm algum grau de preconceito contra LGBTs (na verdade um resultado ambivalente, já que também potencialmente paralisante), é importante cautela na leitura dos dados para não forçá-los a dizerem o que não sustentam. Antes de mais nada, como todo achado em pesquisa social, esse percentual é a expressão não de uma realidade objetiva, mas um dado construído. Outras perguntas, frases ou outras situações de proximidade com homossexuais que fossem sugeridas, ou ainda outra forma de classificar e pontuar as respostas obtidas poderiam levar a uma taxa global de preconceito diferente – com certeza a outra distribuição das frequências na escala de preconceitos leve, mediano e forte.

Por sua vez, é evidente que uma medida de preconceito assim construída, pontuando como preconceituosas não apenas as respostas extremas, mas também respostas intermediárias – por exemplo, quem disse ter ‘antipatia’ por travestis (mas não ‘ódio ou repulsa’), ou ainda que não gostaria mas procuraria aceitar vizinhos homossexuais (em vez de não aceitaria e mudaria de casa) – não pode ser lida como sinônimo de medida da homofobia. Uma análise mais apurada dos dados colhidos (ainda a ser feita) certamente permitirá que se chegue a uma estimativa aproximada de quantos são os homofóbicos no país – os 6% que disseram espontaneamente no início da entrevista não gostar de ver ou de encontrar L, G, B ou Ts, antes mesmo que a temática da diversidade sexual fosse aventada, ou os que são totalmente contra a união conjugal homossexual, são candidatos a compor esse contingente. É provável que quase todos os já classificados como portadores de forte preconceito também integrem tal grupo.

Mas para o combate à homofobia desde já interessa distinguir valores e comportamentos discriminatórios de valores e atitudes meramente que, embora preconceituosos, não exprimam claramente apoio a discriminações, alguns até com tendência à tolerância – de forma a que se possa identificar o perfil e o espaço social de seus respectivos adeptos (conscientes ou não), com vistas à elaboração de políticas públicas focadas. Tomar os 99% preconceituosos como indistintamente homofóbicos é tecnicamente incorreto, do ponto de vista da construção desse dado, e politicamente ineficiente, do ponto de vista da intervenção no problema.

A despeito dessas observações, os resultados encontrados nesta investigação chamam atenção quando comparados com os de estudos recentes semelhantes. O diagnóstico de que a sociedade brasileira é preconceituosa contra diferentes grupos parece variar pouco: na pesquisa Idosos no Brasil, em 2006, 85% dos não idosos (16 a 59 anos) tinham afirmado que no Brasil há preconceito contra os mais velhos; na pesquisa Discriminação racial e preconceito de cor no Brasil, em 2003, 90% reconheciam que há racismo e 87% afirmavam que os brancos têm preconceito contra os negros; e agora, como vimos, cerca de 92% admitem que há preconceito contra LGBT no Brasil.

Mas tratando-se de preconceito assumido e velado o quadro comparativo é outro: se em 2006 apenas 4% dos não idosos admitiam ser preconceituosos em relação aos idosos, e se em 2003 também apenas 4% dos de cor não preta assumiam ser preconceituosos em relação aos negros (taxa que era de 10% em pesquisa do Datafolha, em 1995), agora encontramos em média 27% declarando ter preconceito contra LGBTT – sendo que 23% admitem ter preconceito contra os cinco grupos simultaneamente e 32% contra pelo menos um dos cinco. E com metodologia muito parecida, inclusive com perguntas análogas – por exemplo, como reagiria “se sua filha ou filho casasse com um/a negra/o”, feita para os de cor não preta – e ainda com algoritmo semelhante para montagem de umauma escala de preconceito racial velado, 74% manifestaram em algum grau de preconceito racial, em 2003 (87% em 1995), contra os 99% de preconceito potencialmente homofóbico, achados agora.

Isso significa que há mais preconceito contra LGBT que contra negros ou idosos no Brasil? Pode ser que sim, ou que não, mas não necessariamente. Ou talvez que as formas que o preconceito contra LGBT adquire são piores que as do preconceito racial ou etário, em termos de violência e outras expressões de discriminação? Tão pouco os dados permitem afirmar, negar ou buscaram investigar isso. Na verdade, essa ‘disputa’ é falaciosa, a começar pelo fato de que as identidades em jogo estão, para milhares de pessoas, indissoluvelmente entrecruzadas (pensemos em negras lésbicas idosas). Importa é não perder de vista que na investigação da opinião pública estamos sempre no campo nebuloso das percepções, e que, no terreno moral dos temas em pauta, a ‘realidade’ encontra-se ainda menos acessível, mediada pela disposição a confissões.

Ora, se é esse o limite desses materiais, é preciso aprofundar a análise de modo a compreender o fato - este sim, claramente sustentável pelos dados - de o
preconceito contra a população LGBT ser mais facilmente admitido que, por exemplo, o preconceito racial. Quatro hipóteses, não necessariamente excludentes, parecem concorrer para explicar esse contraste. Primeiro, tomando o dado em sua ‘literalidade’ (como em geral convém, até prova em contrário), a maior admissão de preconceito contra LGBT seria expressão de um preconceito efetivamente mais arraigado, mais assimilado e ainda pouco criticado socialmente. A alta disseminação de piadas sobre ‘bichas’, ‘veados’ ou ‘sapatonas’, por exemplo, e a presença cotidiana de personagens caricaturais em novelas e programas na TV, considerados humorísticos, seriam a um só tempo evidências dessa tolerância social e dispositivos de seu reforço e reprodução.

A segunda hipótese é que a maior admissão de preconceito contra LGBT tem a ver com a explicação da ‘natureza’ da orientação sexual, para muitos vista como uma opção ou preferência – em contraste com as identidades ‘raciais’ ou etárias que, de modo mais evidente, independem das escolhas individuais, sendo assim não sujeitas à crítica (como opções) e, conseqüentemente, mais condenável discriminá-las. De fato, 31% discordam (25% totalmente) que “ser homossexual não é uma escolha, mas uma tendência ou destino que já nasce com a pessoa”, e 18% concordam apenas em parte (só 37% concordam totalmente). Ora, é plausível supor que quem acredita que ser homo ou bissexual é uma escolha, possa considerar essa ‘opção’ um erro, passível de crítica, de gozação e de outras formas de punição (discriminações).

É sintomático a esse respeito que, diante de duas alternativas, se “os governos deveriam ter a obrigação de combater a discriminação contra homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais”, ou se “isso é um problema que as pessoas têm de resolver entre elas”, 70% concordem com a segunda alternativa, contra apenas 24% que entendem que o combate contra a discriminação da população LGBT deve ser objeto de políticas de governo. Em contraste, em 2003, 36% avaliaram que “os governos deveriam ter a obrigação de combater o racismo e a discriminação racial”, contra ‘apenas’ 49% que consideraram que “isso é um problema que as pessoas têm de resolver entre elas, sem a interferência do governo”.

Um terceiro fator, em parte derivado do primeiro, decorrente do ainda baixo nível de autocrítica social da cultura sexual machista e heteronormativa no país, é a ausência de uma legislação a punir criminalmente atos homofóbicos e transfóbicos. Nesse sentido, enquanto o PL 122 (ou lei semelhante), hoje parado no Senado, não for promulgado e enquanto não ocorrerem eventuais condenações exemplares por crimes de ofensa ou discriminação de pessoas por sua orientação sexual ou identidade de gênero, é pequena a chance que se reverta de forma expressiva ou que se acelere a reversão (provavelmente já em curso) no processo de reprodução de preconceitos de natureza homofóbica.

Por fim, há o peso legitimador dos discursos religiosos (especialmente cristãos, tratando-se de Brasil, e ainda particularmente católico, em que pese o crescimento recente acentuado das igrejas evangélicas) no reforço de concepções preconceituosas da homossexualidade: a concordância de 92% da opinião pública (sendo 84% totalmente) com a frase epígrafe, “Deus fez o homem e a mulher com sexos diferentes para que cumpram seu papel e tenham filhos”, contra apenas 5% que discordam; e de 66% (58% totalmente) com a frase “homossexualidade é um pecado contra as leis de Deus”, contra 22% que discordam (só 17% totalmente) – revelam o tamanho da colaboração religiosa para a intolerância com a diversidade sexual.

Em suma, a pesquisa dá números ao que já se suspeitava: por trás da imagem de liberalidade que o senso comum atribui ao povo brasileiro, particularmente em questões comportamentais e de sexualidade, há graus de intolerância com a diversidade sexual bastante elevados – coerentes, na verdade, com a provável liderança internacional do Brasil em crimes homofóbicos. O que indica que há muito por fazer, em termos de políticas públicas, para tornar realidade o nome do programa da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, criado 2004, Brasil sem Homofobia – ele mesmo, segundo a pesquisa, conhecido por apenas 10% da população (2% dizem conhecê-lo de fato e 8% já ouviram falar).

Outros temas foram abordados, inclusive de políticas contra a discriminação LGBT para as áreas de educação, saúde, emprego, justiça, cultura e direitos humanos, os quais comentaremos em breve. E até fim de março aqui estará disponível também a segunda parte do estudo, com 400 entrevistas com gays e lésbicas, residentes em nove regiões metropolitanas do país, com dados inéditos de percepção e vivências de discriminação.


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*Gustavo Venturi, doutor em Ciência Política e mestre em Sociologia pela USP, é professor de sociologia da FFLCH-USP.


Notas:
(1) Colaboraram Rita Dias e Vilma Bokany, analistas do Núcleo de Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo.

Levantamento quantitativo (survey) com amostragem probabilística nos primeiros estágios (sorteio de municípios, setores censitários e domicílios) e controle de cotas de sexo e idade (IBGE) para a seleção dos indivíduos (estágio final). Total de 2.014 entrevistas com população acima dos 15 anos de idade (todas as classes sociais), disper sa nas áreas urbanas de 150 municípios (pequenos, médios e grandes), em 25 UFs, nas cinco macrorregiões do país (Sudeste, Nordeste, Sul, Norte e Centro-Oeste). Abordagem domiciliar, com aplicação de questionários estruturados (versões A e B, aplicados a duas sub amostras espelhadas), somando 92 perguntas distintas (cerca de 250 variáveis), com duração média das entrevistas em torno de uma hora. Margens de erro de até ± 3 pontos percentuais, com intervalo de confiança de 95%. Coleta dos dados entre 7 e 22 de junho de 2008.

(2) Idosos no Brasil, Desafios e Expectativas na Terceira Idade (2006, em parceria com os Sesc-SP e Nacional), Perfil da Juventude Brasileira (2003, em parceira com o Instituto Cidadania), Discriminação Racial e Preconceito de Cor no Brasil (2003, em parceira com a Rosa Luxemburg Stiftung) e A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado (2001).





Safatle: Há um esforço de setores da sociedade em apagar a ditadura da história do país
publicado em filoparanavai em 15/04/2011 Por Gilberto Costa - Fonte Agência Brasil, 30/1/2011 Após a Segunda Guerra Mundial, os judeus sobreviventes revelaram que seus carrascos asseguravam que ninguém acreditaria no que havia ocorrido nos campos de concentração. A história, no entanto, não cumpriu o destino previsto pelos nazistas, muitos foram condenados e o episódio marca a pior lembrança da humanidade. Crimes cometidos em outros momentos de exceção também levaram violadores de direitos humanos a serem interrogados em comissões da verdade e punidos por tribunais, como na África do Sul, em Ruanda, na Argentina, no Uruguai e Paraguai. Para o filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo (USP), há um lugar que resiste à memória do horror e a fazer justiça às vítimas: o Brasil. Nenhum agente do Estado ditatorial (1964-1985), envolvido em crimes como sequestro, tortura, estupro e assassinato de dissidentes políticos, foi a julgamento e preso. Em março, será lançado o livro "O Que Resta da Ditadura" (editora Boitempo), organizado por Safatle e Edson Teles. A obra tenta entender como a impunidade se forma e se alimenta no Brasil. Para Safatle,o Brasil continua uma democracia imperfeita por resistir a uma reavaliação do período da ditadura militar (1964-1985) e por manter uma relação complicada entre os Três Poderes.
Agência Brasil: O Brasil tem alguma dificuldade com o seu passado?
Vladimir Safatle: Existe um esforço de vários setores da sociedade em apagar a ditadura, quase como se ela não tivesse existido. Há leituras que tentam reduzir o período à vigência do AI-5 [Ato Institucional nº 5], de 1968 a 1979. E o resto seria uma espécie de democracia imperfeita, que não se poderia tecnicamente chamar de ditadura. Ou seja, existe mesmo no Brasil um esforço muito diferente de outros países da América Latina, que passaram por situações semelhantes, que era a confrontação com os crimes do passado. É a ideia de anular simplesmente o caráter criminoso de um certo passado da nossa história. Há quem diga que o Brasil não teve de fato uma ditadura clássica depois de 1964, mas sim uma "ditabranda" se comparada à da Argentina e a do Uruguai, por exemplo. Essa leitura é do mais clássico cinismo. É inadmissível para qualquer pessoa que respeite um pouco a história nacional. Afirmar que uma ditadura se conta pela quantidade de mortes que consegue empilhar numa montanha é desconhecer de uma maneira fundamental o que significa uma ditadura para a vida nacional. A princípio, a quantidade de mortes no Brasil é muito menor do que na Argentina. Mas é preciso notar como a ditadura brasileira se perpetuou. O Brasil é o único país da América Latina onde os casos de tortura aumentaram após o regime militar. Tortura-se mais hoje do que durante aquele regime. Isso demostra uma perenidade dos hábitos herdados da ditadura militar, que é muito mais nociva do que a simples contagem de mortes. Ag. B.: Qual o reflexo disso? Safatle: Significa um bloqueio fundamental do desenvolvimento social e político do país. Por outro lado, existe um dado relevante: a ditadura de certa maneira é uma exceção. Ela inaugurou um regime extremamente perverso que consiste em utilizar a aparência da legalidade para encobrir o mais claro arbítrio. Tudo era feito de forma a dar a aparência de legalidade. Quando o regime queria de fato assassinar alguém, suspender a lei, embaralhava a distinção entre estar dentro e fora da lei. Fazia isso sem o menor problema. Todos viviam sob um arbítrio implacável que minava e corroía completamente a ideia de legalidade. É um dos defeitos mais perversos e nocivos que uma ditadura pode ter. Isso, de uma maneira muito peculiar, continua. Então, a semente da violência atual do aparato policial foi plantada na ditadura? Não é difícil fazer essa associação, pois nunca houve uma depuração da estrutura policial brasileira. É muito fácil encontrar delegados que tiveram participação ativa na ditadura militar, ainda em atividade. No estado de São Paulo, o ex-governador Geraldo Alckmin indicou um delegado que era alguém que fez parte do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna]. Teve toda uma discussão, mas esse debate não serviu sequer para ele voltasse atrás na nomeação. Se você levar em conta esse tipo de perenidade dos próprios agentes que atuaram no processo repressivo, não é difícil entender por que as práticas não mudaram. Estamos atrás de outros países, como Argentina e África do Sul, na investigação e julgamento de crimes cometidos pelo Estado? Estamos aquém de todos os países da América Latina. Nosso problema não é só não ter constituído uma comissão de verdade e justiça, mas é o de que ninguém do regime militar foi preso. Não há nenhum processo. O único processo aceito foi o da família Teles contra o coronel [Carlos Alberto Brilhante] Ustra, que foi uma declaração simplesmente de crime. Ninguém está pedindo um julgamento e sim uma declaração de que houve um crime. Legalmente, sequer existiram casos de tortura, já que não há nenhum processo legal. E levando em conta o fato de que o Brasil tinha assinado na mesma época tratados internacionais, condenando a tortura, nossa situação é uma aberração não só em relação à Argentina e à África do Sul, mas em relação ao Chile, ao Paraguai e ao Uruguai. Que expectativa o senhor tem quanto ao funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), para apurar crimes da ditadura? Uma atitude como essa é a mais louvável que poderia ter acontecido e merece ser defendida custe o que custar. O trabalho feito pelo ministro Paulo Vannuchi [secretário dos Direitos Humanos, da Presidência da República] e pela Comissão de Direitos Humanos é da mais alta relevância nacional. Acho que é muito difícil falar o que vai acontecer. A gente está entrando numa dimensão onde a memória nacional, a política atual e o destino do nosso futuro se entrelaçam. Existe uma frase no livro 1984, de George Orwell, que diz: “Quem controla o passado controla o futuro”. Mexer com esse tipo de coisa é algo que não diz respeito só à maneira que o dever de memória vai ser institucionalizado na vida nacional, mas à maneira com que o nosso futuro vai ser decidido. Mas, antes mesmo da criação da Comissão da Verdade, os debates já estão muito acalorados. O melhor que poderia acontecer é que se acirrassem de fato as posições e cada um dissesse muito claramente de que lado está. O país está dividido desde o início. Veja a questão da Lei da Anistia. O programa do governo [PNDH 3] em momento algum sugeriu uma forma de revisão ou suspensão da lei. O que ele sugeriu foi que se abrisse espaço para a discussão sobre a interpretação da letra da lei. Porque a anistia não vale para crimes de sequestro e atentados pessoais. A confusão que se criou demonstra muito claramente como a sociedade brasileira precisa de um debate dessa natureza, o mais rápido possível. Não dá para suportar que certos segmentos da sociedade chamem pessoas foram ligadas a esses tipos de atividades de “terroristas”. É sempre bom lembrar que no interior da noção liberal de democracia, desde John Locke [filósofo inglês do século 17], se aceita que o cidadão tem um direito a se contrapor de forma violenta contra um Estado ilegal. Alguns estados nos Estados Unidos também preveem essa situação. O termo “terrorista” é usado por historiadores que não têm qualquer ligação com os militares e até mesmo por pessoas que participaram da luta armada. Usar a palavra é errado? Completamente. É inaceitável esse uso que visa a criminalizar profundamente esse tipo de atividade que aconteceu na época. A ditadura foi um estado ilegal que se impôs através da institucionalização de uma situação ilegal. Foi resultado de um golpe que suspendeu eleições, criou eleições de fachada com múltiplos casuísmos. Podemos contar as vezes que o Congresso Nacional foi fechado porque o Executivo não admitia certas leis. O fato de ter aparência de democracia porque tinham algumas eleições pontuais, marcadas por milhões de casuísmos, não significa nada. No Leste Europeu também existiam eleições que eram marcadas desta mesma maneira.Um Estado que entra numa posição ilegal não tem direito, em hipótese alguma, de criminalizar aqueles que lutam contra a ilegalidade. Por trás dessa discussão, existe a tentativa de desqualificar a distinção clara entre direito e Justiça. Em certas situações, as exigências de Justiça não encontram lugar nas estruturas do Direito tal como ele aparecia na ditadura militar. Agora, existem certos setores que tentam aproximar o que aconteceu no Brasil do que houve na mesma época na Europa, com os grupos armados na Itália e na Alemanha. As situações são totalmente diferentes porque nenhum desses países era um Estado ilegal. E não há casos no Brasil de atentado contra a população civil. Todos os alvos foram ligados ao governo. Os assaltos a banco não seriam atentados às pessoas comuns que estavam nas agências? Todos os que participaram a atentados a bancos não foram contemplados pela Lei da Anistia e continuaram presos depois de 1979. Pagaram pelo crime. Isso não pode ser utilizado para bloquear a discussão. Dentro de um processo de legalidade, de maneira alguma o Estado pode tentar esconder aquilo que foi feito por cidadãos contra eles, como se fossem todos crimes ordinários. Se um assalto a banco é um crime ordinário, eu diria que a luta armada, a luta contra o aparato do Estado ilegal, não é. Isso faz parte da nossa noção liberal de democracia. Que democracia é a nossa que tem dificuldades de olhar o passado? É uma democracia imperfeita ou, se quisermos, uma semidemocracia. O Brasil não pode ser considerado um país de democracia plena. Existe uma certa teoria política que consiste em pensar de maneira binária, como se existissem só duas categorias: ditadura ou democracia. É uma análise incorreta. Seria necessário acrescentar pelo menos uma terceira categoria: as democracias imperfeitas. O que isso significa? Consiste em dizer basicamente o seguinte: não há uma situação totalitária de estrutura, mas há bloqueios no processo de aperfeiçoamento democrático, bloqueios brutais e muito visíveis. Existe uma versão relativamente difundida de que a Nova República é um período de consolidação da democracia brasileira. Diria que não é verdade. É um período muito evidente que demonstra como a democracia brasileira repete os seus impasses a todo momento. O primeiro presidente eleito recebeu um impeachment, o segundo subornou o Congresso para poder passar um emenda de reeleição e seu procurador-geral da República era conhecido por todos como “engavetador-geral”, que levou a uma série de casos de corrupção que nunca foram relativizados. O terceiro presidente eleito muito provavelmente continuou processos de negociação com o Legislativo mais ou menos nas mesmas bases. Chamar isso de consolidação da estrutura democrática nacional é um absurdo. Os poderes mantêm uma relação problemática, uma interferência do poder econômico privado nas decisões de governo. Um sistema de financiamento de campanhas eleitorais que todos sabem que é totalmente ilegal e é utilizado por todos os partidos sem exceção.

filoparanavai 2011