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FILOPARANAVAÍ

sábado, 3 de março de 2012

TEXTO REFLEXÃO sobre a finalidade da Filosofia no Ensino Médio Brasileiro.



Observação: Este texto foi organizado visando as primeiras aulas de Filosofia em 2012. Nele há muitas possibilidades de ampliarmos várias reflexões pertinentes ao papel central da Filosofia no Ensino Médio, além de servir para aqueles alunos que estão nos últimos anos do Ensino Médio como uma rápida revisão de tudo o que já estudaram.

Esse texto foi organizado a partir da leitura dos PCNs para Filosofia [MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica (Semtec/MEC), 1999. Ciências Humanas e suas Tecnologias Orientações Educacionais Complementares ao s P a r â m e t r o s C u r r i c u l a r e s N a c i o n a i s – PCN. Parte referente à Filosofia – pp.41-54]

O que é Filosofia? Para quê serve Filosofia?

A Filosofia é uma disciplina novata na realidade do Ensino Médio, estando obrigatoriamente inserida entre as disciplinas desta etapa do Ensino Básico brasileiro desde 2008 [MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. LEI Nº 11.684, DE 2 DE JUNHO DE 2008: Altera o art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11684.htm. Acesso em: 18.jan.2012.] .

Você é, Filósofo! Todos somos Filósofos. Porém, há filósofos que filosofam e sabem que são filósofos, assim como há filósofos que filosofam e não sabem que filosofam porque não sabem o que é a filosofia, enquanto outros filósofos não filosofam e nem sabem que são filósofos porque não sabem também o que é a filosofia. Ter a consciência de que somos filósofos, aprender filosofia para filosofar, esta é uma das tarefas da Filosofia no Ensino Médio.

Porém, para uma mais ampla compreensão dessa dinâmica disciplinar da filosofia é necessário esclarecermos alguns pontos comuns e de interesse de todos nós, uma vez que seus estudos de filosofia só serão realmente aproveitáveis desde que você tenha claro o porquê de estudar Filosofia.

A Filosofia não tem uma função pragmática [ou seja, serve para fazer algo útil e que tenha inerente um retorno financeiro], no sentido de que sua finalidade está nela mesma, ou seja, no filosofar, somos levados a concluir não ser possível transformá-la em instrumento de qualquer fim, por mais nobre que seja.

Cabe ao estudo da Filosofia dar condições para que os próprios alunos construam seu conhecimento crítico e se oriente na direção da autonomia da ação e que os tornem sujeitos autônomos e cidadãos conscientes.

Um dos campos de investigação filosófica é a Filosofia da Filosofia. É nesse sentido que Edmund Husserl se pergunta: “O que pretendo sob o título de Filosofia, como fim e campo das minhas elaborações, sei-o, naturalmente. E contudo não o sei… Qual o pensador para quem, na sua vida de filósofo, a Filosofia deixou de ser um enigma? […] Só os pensadores secundários que, na verdade, não se podem chamar filósofos, estão contentes com as suas definições.”

A Filosofia, por suas características, tem condições de contribuir de forma bastante efetiva no processo de aprimoramento do educando como pessoa e na sua formação cidadã e política. Ou seja, enquanto os temas de ética e cidadania bordejam as demais disciplinas como reflexão transversal, no ensino da Filosofia esses temas constituem os eixos principais do conteúdo programático.

Não se pense que, com essa afirmação, estejamos conferindo algum tipo de superioridade a ela, mas sim reconhecendo que, pela sua especificidade, a Filosofia:
• abre o espaço por excelência para tematizar e explicitar os conceitos que permeiam todas as outras disciplinas, e o faz de forma radical, ou seja, buscando suas raízes ou fundamentos e pressupostos;
• discute os fins últimos da razão humana e os fins a que se orientam todas as formas de ação humanas, e sob esse aspecto, levanta a questão dos valores;
• examina os problemas sob a perspectiva de conjunto – enquanto as ciências particulares abordam “recortes” da realidade – o que permite à Filosofia elaborar uma visão globalizante, interdisciplinar e mesmo transdisciplinar (metadisciplinar);
• não trata de um objeto específico, como nas ciências, porque nada escapa ao seu interesse, ocupando-se de tudo.

Nem sempre, porém, a disposição humana para a reflexão é estimulada, antes chega a ser desencorajada ou escamoteada ainda nos dias de hoje. Fomos educados por décadas pelo Estado a não exercermos nosso direito de pensar de maneira autônoma. Vivemos hoje a primavera da Liberdade no Brasil e aptos a exercermos o maior poder que uma pessoa humana possa vir a ter, ou seja, o de pensar por si mesma. O senso comum é um conjunto de ideias e valores que servem de base à nossa primeira visão de mundo, trata-se no entanto de um saber não-crítico, fragmentado, incoerente, desarticulado, misturado a crenças arraigadas e, portanto, pré-reflexivo. Uma das funções da filosofia consiste em dar elementos para o aluno examinar de forma crítica as certezas recebidas e descobrir os preconceitos muitas vezes velados que as permeiam. Mais ainda, ao refletir sobre os pressupostos das ciências, da técnica, das artes, da ação política, do comportamento moral, a Filosofia auxilia o educando a lançar outro olhar sobre o mundo e a transformar a experiência vivida numa experiência compreendida.

Não se trata, porém, de concluir que a Filosofia é um “guia” que conduz o aluno “das trevas à luz”, mas sim que é o mediador entre o educando e o texto filosófico (ou o texto não-filosófico que será compreendido segundo o enfoque da Filosofia), o que equivale a dizer que o estudo de filosofia é o mediador entre o aluno e a cultura em que vive, já que o ensino/aprendizagem não se faz à margem do contexto histórico-social.

Podemos, agora, considerar a Filosofia na sua dimensão pedagógica, como disciplina do Ensino Médio comprometida com a formação cidadã. Caso contrário, de que adiantariam os saberes acumulados se não se transformassem em condições para serem aplicadas no trabalho, no convívio da família, no lazer, nas mais diversas situações que exijam reconfigurações dos conhecimentos e improvisação no agir? No componente específico da área de Filosofia, avaliará se o estudante desenvolveu, no processo de formação, as seguintes competências e habilidades:

Ler textos filosóficos de modo significativo. Há várias formas de se desenvolver a leitura analítica, mas em geral é importante fazer com que o aluno comece pela análise temática, ocasião em que aprende a “ouvir o que o autor tem a dizer”. Esses passos iniciais são importantes para estimular a disciplina intelectual, ao aprender a identificar as idéias centrais, o rigor dos conceitos, a articulação da argumentação, a coerência da exposição, para só então enveredar pelos aspectos denotativos do texto e exercitar a análise interpretativa e a posterior problematização. Resta lembrar que a apropriação do processo do filosofar é uma maneira de construir uma forma de pensar autônoma, em última análise, um pressuposto decisivo para o exercício da cidadania. Ler, de modo filosófico, textos de diferentes estruturas e registros. Tais como artigo de jornal, poesia, romance, programa de televisão, filme, peça teatral, música, pintura, propaganda, texto científico etc. Uma prática, portanto, comprometida com o pressuposto de uma leitura transdisciplinar do mundo.

Elaborar por escrito o que foi apropriado de modo reflexivo. É importante garantir o espaço para a produção própria. Esse espaço começa na sala de aula, quando formula questões ou participa de trabalhos em grupo e de debates. É preciso que seja estimulado a desenvolver a expressão escrita, por meio da dissertação filosófica. a dissertação deve retornar ao aluno para ser comentada, não só pelo professor, mas pelo grupo, no esforço dialógico de avaliação intersubjetiva no qual são verificados o rigor conceitual do texto e a coerência da exposição. O debate não deve ser meramente opiniático.

Não por acaso, aprender a pensar e a debater é contribuir para a construção da sociedade pluralista, que supõe o sujeito autônomo e crítico e que, ao mesmo tempo, é capaz de reconhecer a alteridade, aceitar as diferenças, buscar o consenso pelo poder da palavra, mas reconhecendo o dissenso como expressão da sociedade democrática, que não é homogênea.

Em resumo: Capacidade de formular e propor soluções a problemas filosóficos que emanam dos diversos campos do conhecimento; capacidade de analisar, interpretar e comentar textos teóricos, segundo os mais rigorosos procedimentos da tradição filosófica; capacidade de refletir criticamente sobre a realidade social, histórica, política e cultural; capacidade de compreender a importância das questões acerca do sentido e da significação da existência humana; capacidade de promover a integração entre Filosofia, ciência, arte e cultura; capacidade de integrar a Filosofia e a conduta humana nas esferas pública e privada; capacidade de empregar o exercício da crítica filosófica na promoção integral da cidadania e do respeito à pessoa, conforme a tradição de defesa dos direitos humanos.

Filoparanavai 2012

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