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FILOPARANAVAÍ

quinta-feira, 29 de maio de 2014

CONSCIÊNCIA NEGRA: ‘13 de maio: a abolição inacabada’

“A raça negra fundou para outros uma pátria que ela pode, com muito mais direito, chamar sua.” [Joaquim Nabuco - ‘O Abolicionismo’ ]

A histografia brasileira lembra o 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea, que determinou o fim da escravização oficial em nosso país. De lá para cá, a população negra brasileira, aos trancos e barrancos, luta no dia a dia para que a abolição formal se materialize de maneira substantiva e real na vida da maioria das famílias negras brasileiras. Famílias estas que ainda hoje amargam os mais baixos índices de qualidade de vida em nosso país. No Brasil, todos os dados indicam que os negros e as negras compõem a maioria da população mais pobre do nosso território. Florestan Fernandes, sociólogo e escritor brasileiro, já falecido, denominou este processo de mudança, como uma luta pela “segunda abolição”. 


Nesta agenda do movimento social negro pela concretização da abolição de fato, está, inclusive, a disputa pela alteração do caráter e do sentido da data 13 de maio. Até pouco tempo, esta era lembrada apenas como um dia de agradecimento a generosidade e piedade da princesa Isabel, ocultando toda a intensa luta e resistência da população negra ao processo de escravização de africanos. Para contrapor este caráter redentor, o movimento negro instituiu na agenda a data de 20 de novembro, para comemorar a resistência negra em nosso país. Esta crítica tem feito também que o próprio sentido do 13 de maio esteja em pleno processo de mudança. Sem sombra de dúvidas, uma vitória para a história do nosso país. 

A necessidade da instituição pelo estado brasileiro de uma agenda política para a concretização do ideário da abolição não é uma coisa nova. Em seu livro “O Abolicionismo”, publicado antes do fim formal da escravização, Joaquim Nabuco afirmava: “Enquanto a nação não tiver consciência de que é indispensável adaptar à liberdade cada um dos aparelhos do seu organismo de que a escravidão se apropriou, a obra desta irá por diante, mesmo quando não haja mais escravos.” 


A liberdade concedida ao negro só se materializaria quando todas as instituições que regulamentam a vida nacional implementassem medidas a fim de dar consequência prática à liberdade. Infelizmente, ainda hoje a maior parte das instituições brasileiras não adaptou, como dizia Nabuco, o ideário da liberdade em sua dinâmica de organização e funcionamento. Basta perceber que, passado mais de um século, nossas instituições governamentais (governos, legislativos) continuam, em sua composição étnica, não representando a população negra em nosso país. Embora os negros e as negras sejam mais de metade da população do país, é muito pequena a representação negra nestes espaços de poder. Este fato tem sido denominado pelo movimento negro como “racismo institucional”. 

A frase de Nabuco é mais atual do que nunca. Iniciativas do estado brasileiro para a criação de estruturas e políticas para a promoção da igualdade racial são muito recentes. É na década de 80 que vamos perceber ações em poucos Estados de criação de Conselhos e Estruturas próprias para este fim. Como política de nação, só em 2003 que é criada um Ministério específico para atuar na área. De 2003 para cá, pouquíssimos Estados e municípios criaram estruturas semelhantes. 

No Paraná, a situação não é muito diferente. Apesar de existir recursos e políticas federais para tanto, não temos Secretaria Estadual e nem Coordenadoria. Após um longo processo de reivindicação, será instalado, neste primeiro semestre, o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial. Nos municípios o quadro não se altera. A maioria fecha os olhos a esta política importante para a consolidação de um projeto que inclua todos e todas na construção da nação brasileira. Raros municípios, como Londrina e Maringá, possuem uma assessoria específica para implementar políticas de igualdade racial. Em Curitiba, capital de nosso Estado, não há nenhuma estrutura de governo para o trato da temática, embora, aqui, os negros e as negras representem em torno de 20% da população. 

Neste contexto, se inserem a s reivindicações do movimento social negro pela adoção de políticas de ação afirmativa, como reserva de vagas em concursos públicos, de ingresso no ensino superior, inclusão de conteúdos de história e cultura afro-brasileiras no currículo escolar, entre outras. Infelizmente, a maioria dos governantes ainda não abriu os olhos sobre a necessidade de instituição desta agenda e da sua importância para o conjunto da população brasileira. Muitos ainda têm a ilusão de que ao enfrentar as desigualdades sociais, estar-se-á, em um passe de mágica, enfrentando as desigualdades raciais. Pura ilusão. A cada dia temos exemplo de como opera o preconceito contra negros em nossa sociedade. Preconceito que se materializa em desigualdades. 

Também, nesta agenda se insere o debate do feriado de 20 de novembro, aprovado em Leis Municipais como em Londrina, Curitiba e Guarapuava e questionado, na Justiça, a partir dos ditos interesses econômicos. 

Nestas datas, como a de 13 de maio, veremos várias pessoas, especialmente as que detêm cargos públicos, discorrendo sobre a importância do dia e da contribuição da população negra em nosso país. Faz parte da política nefasta do “politicamente correto”. Ela mascara, esconde e anestesia qualquer ação mais propositiva de nossas instituições de governo. Infelizmente, a agenda proposta por Joaquim Nabuco, há mais de um século, é um dos principais sinais da omissão da elite política brasileira às causas da liberdade, democracia e igualdade. 

Finalizo esta reflexão com mais uma frase de Nabuco que, como profecia, alertava para a necessidade da instituição de uma agenda política e de um esforço coletivo de gerações para a consolidação da abolição de fato. Hoje, ela ainda está inacabada. 

“O nosso caráter, o nosso temperamento, a nossa organização toda, física, intelectual e moral, acha-se terrivelmente afetada pelas influências que a escravidão passou 300 anos a permear a sociedade brasileira. A empresa de anular essas influências é superior, por certo, aos esforços e uma só geração. Mas enquanto essa obra não estiver concluída, o abolicionismo terá sempre razão de ser.” 


Luiz Carlos Paixão da Rocha
Mestre em Educação pela UFPR
Diretor de Comunicação da APP-Sindicato Professor
e integrante do Movimento Social Negro do Paraná
FONTE ORIGINAL DO TEXTO:
http://www.appsindicato.org.br/

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